De repente, ele cresceu… E agora tem certeza de que sabe absolutamente tudo sobre tudo, revira os olhos para qualquer coisa, prefere a tela à sua companhia e a cara de tédio 100% do tempo é simplesmente insuportável. Teoricamente, a adolescência só começa aos 13 anos, mas nesses tempos de infância encurtada, a frase que mais escutei ao longo dos meus 25 anos de carreira —”quando é que essa fase acaba?”— anda chegando cada vez mais cedo aos meus ouvidos, vinda de mães em tom de absoluto desespero. Por que é tão difícil lidar com adolescentes?, perguntam com frequência para mim. Costumo devolver com outra pergunta: é mesmo difícil ou somos nós, adultos, que complicamos?
Que tal começar se colocando no lugar deles? Você já esteve lá e sabe muito bem que não é fácil adolescer. Primeiro, você perde aquela carinha fofinha de criança que tanto agrada os pais e passa a ter outra voz, outro corpo, espinhas indesejadas, a intensidade de um furacão dentro do peito, pressão de todos os lados… Para piorar, começam a te chamar de “aborrescente”, como se fosse minimamente divertido. Não é. Crescer dói. E você sabe disso.
Enquanto os pais vivem o luto da perda de uma criança que vira um orangotango monossilábico e mal-humorado que se isola dentro do quarto, o adolescente também sente o baque da perda dos olhares carinhosos que até outro dia ele ganhava dos adultos próximos. Meu marido é pai de dois meninos que têm dez anos de diferença entre si. É nítida a diferença de tratamento. Para o pequeno que deixa a toalha molhada na cama, é “ô, meu amor, o papai já não falou que não pode fazer isso?”. Para o mais velho, ríspido, que só, é “pô, cara, quantas vezes preciso falar pra não deixar a porcaria da toalha em cima da cama?”.
Ao longo de tanto tempo escrevendo para adolescentes, entendi que um dos maiores ressentimentos deles é a falta de colo dos pais. É. Colo. Simples assim. Parece que quando a criança sai de cartaz não vale mais a pena um afago, um carinho mais demorado, um cafuné. “Ah, mas ele não quer saber de mim”, reclamam os genitores. Faz parte da adolescência ser do contra, lembra? Insista. É nessa hora que você precisa se lembrar de como foi difícil adolescer. Por mais que eles achem que sabem tudo, eles não sabem nada. Você sabe. Você tem as ferramentas emocionais para lidar com o turbilhão de emoções que está acontecendo dentro do seu filho. Você sabe que é conversando que a gente se entende, os clichês não nascem à toa.
Vejo pais dizendo com aspereza “larga esse celular!” como se não passassem o dia inteiro com os olhos grudados na tela. Do mesmo jeito que crianças com pais que leem em casa têm maior probabilidade de se tornar leitoras no futuro, um adolescente que vê seu pai priorizar o olho no olho em vez do telefone tem maior chance de se tornar um adulto não dependente do celular. É o tal do exemplo, coisa simples de ser feita, concorda? Eu falei, a gente que complica.
Acredito que o grande mal dessa geração que hoje tem cerca de 14 anos é a automutilação. É triste demais ver meninas tentando tapar seus buracos emocionais com dor física. O tema é abordado em “Falando Sério Sobre Adolescência – Um Guia para a Família”, que escrevi com meu marido, Renato Caminha, psicólogo que há mais de 30 anos trabalha com adolescentes.
Numa feira de livros dois anos atrás, uma menina de 16 pediu o microfone para dar um dos relatos mais emocionantes que ouvi: “Lendo ‘Confissões de uma Garota Linda, Popular e (secretamente) Infeliz’, em que a protagonista bulímica machuca as gengivas, eu entendi que não estava sozinha, que não era maluca, e pedi ajuda”. Ela se cortava desde os 10 anos. Dez anos! Essa menina só precisava de colo. De escuta. E é em busca de escuta e acolhimento que adolescentes que se sentem excluídos ou esquisitos (como tantos que retrato em meus livros e filmes) se metem nos Discords da vida, plataformas online sem filtro ou regulação, que estimulam a automutilação e aplaudem meninas que se ferem ao vivo, em frente às câmeras. Sim, o mundo está muito doente, e precisamos urgentemente ajudar nossos adolescentes a não adoecer com ele.