Pela primeira vez, pesquisadores avaliaram a rejeição de um rim de porco em um corpo humano durante dois meses a partir do dia do transplante. O estudo identificou os principais mecanismos do sistema imune humano contra o órgão do suíno, descobertas úteis para o desenvolvimento de terapias que evitem a rejeição.
Valentin Goutaudier, um nefrologista que faz pós-doutorado no Instituto de Transplante e Regeneração de Órgãos de Paris em colaboração com o Instituto de Transplante Langone, da Universidade de Nova York, foi um dos responsáveis pelo estudo. A carreira do pesquisador é conectada com o objetivo de entender como o organismo humano rejeita transplante de órgãos para, a partir disso, desenvolver terapias que impeçam esse processo de rejeição.
Esse é o caso da nova pesquisa sobre rins de porco. Médicos já realizaram transplantes de rins e de coração suínos em humanos, mas a rejeição é um desafio para o procedimento. Goutaudier já havia investigado a resposta negativa do sistema imunológico frente a xenotransplante, procedimento que envolve transplante de órgãos entre diferentes espécies, mas somente por um curto período após a cirurgia.
No novo estudo, apresentado em um congresso científico da Esot (Sociedade Europeia para Transplante de Órgãos, em livre tradução), o tempo de análise foi maior. “Nós fomos autorizados a prosseguir com o estudo por até dois meses após o transplante. Então pudemos avaliar a resposta humana a longo prazo”, afirma Goutandier.
A pesquisa consistiu em analisar amostras do rim do porco transplantado em um humano em sete momentos diferentes durante os dois meses do estudo. Os cientistas observaram que, no décimo dia a partir do transplante, anticorpos humanos já foram identificados no órgão suíno. Essa resposta atingiu o ápice cerca de um mês após a cirurgia.
Além de examinar as amostras, a investigação inovou por adotar a transcritômica espacial. O método permitiu identificar em quais regiões específicas do rim ocorreu a rejeição e quais as principais células envolvidas na resposta imunológica ao transplante.
No primeiro caso, os pesquisadores observaram que a rejeição foi prepoderante nos glomérulos, unidades do rim responsáveis pela filtração sanguínea. Essa conclusão foi nova e é diferente dos transplantes de órgãos humanos. Goutandier explica que, no caso de transplantes entre humanos, a rejeição se alastra para outras regiões dos rins.
Já em relação a respostas imunológicas, a pesquisa constatou que os anticorpos da imunidade inata, como os macrófagos, foram preponderantes na rejeição do rim suíno. “A imunidade inata é a imunidade ancestral. Ela é compartilhada por diferentes espécies. Então faz sentido que essas antigas células imunes inatas reconheçam as diferentes espécies”, explica Goutandier. Outras células do sistema imunológico, como os linfócitos B e T, também foram identificados na rejeição do órgão, mas em menor grau.
Esse padrão de resposta imune é parecido com o que pesquisadores já observaram no transplante de corações de porco em humanos. Enquanto isso, fígados do suíno transplantados em pessoas podem levar a uma resposta diferente, mas também já existem publicações que relatam algumas semelhanças com a rejeição observada no transplante de rim.
Tratamento
Por identificar com mais detalhes como a rejeição ao rim de porco ocorre, o estudo abre portas para desenvolver terapias que impeçam a resposta negativa ao transplante. Na pesquisa, um tratamento experimental e personalizado foi testado, com resultados positivos em parar a rejeição ao órgão.
A ideia para o futuro é entender todos os dados compilados pelo estudo para propor terapias para esse tipo de transplante. “Agora temos uma visão melhor do que é o processo de rejeição [de rins de porcos]. O próximo passo é fornecer uma terapêutica precisa”, afirma Goutandier.
O pesquisador aponta que existe a possibilidade de reaproveitar remédios já existentes que possam ser utilizados para essa finalidade, o que diminuiria os custos e tempos de desenvolver uma terapia do zero. No entanto, é necessário identificar precisamente quais são esses alvos terapêuticos para, então, concluir quais tratamento serão eficazes para a rejeição a xenotransplante.