Página Inicial Saúde Estudo propõe critérios para diagnóstico de vício em redes – 29/05/2025 – Equilíbrio

Estudo propõe critérios para diagnóstico de vício em redes – 29/05/2025 – Equilíbrio

Publicado pela Redação

Um novo artigo científico propõe estabelecer critérios objetivos para determinar quando o uso de mídia digital e redes sociais por adolescentes se torna problemático. A pesquisa, liderada pelo pediatra Dimitri Christakis, da Universidade de Washington, e Lauren Hale, médica do departamento de saúde da Universidade de Stony Brook, intitulada “Toward Defining Problematic Media Usage Patterns in Adolescents”, sugere uma abordagem baseada em tempo de uso, similar à utilizada para avaliar o consumo de álcool.

Publicado na revista Jama (The Journal of the American Medical Association), o artigo destaca os padrões de uso de mídia digital e seu impacto, propondo que o tema seja tratado oficialmente como um transtorno.

A discussão perdura há anos, mas a atenção inicial foi voltada ao transtorno do jogo, e não necessariamente ao celular e redes sociais. Embora a OMS (Organização Mundial da Saúde) tenha reconhecido formalmente o transtorno de jogo (gaming disorder) na Classificação Internacional das Doenças em 2022, a 5ª edição do DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), de 2013, recusou-se a reconhecer o transtorno de jogo pela internet como uma entidade clínica.

Atualmente, um comitê de especialistas está propondo uma revisão dessa decisão para adicioná-lo. Christakis, que faz parte do comitê, argumenta que os jogos representam apenas uma fração das experiências digitais problemáticas.

“Em vez de ficarmos atolados em ‘isso é um vício clínico?’, por que não adotamos a abordagem que surgiu em torno do uso de álcool?”, questiona o pesquisador.

O estudo propõe uma taxonomia similar à classificação de uso de álcool do National Institute of Alcohol Abuse and Alcoholism (NIAAA). São categorias definidas com base em limites de tempo de tela —calculadas pelo próprio smartphone— e visam identificar indivíduos em risco:

  • Uso moderado: menos de cinco horas por dia
  • Uso compulsivo: mais de quatro horas em uma sessão contínua
  • Uso de alta intensidade: 12 horas ou mais em um dia
  • Uso intenso: nove horas ou mais em qualquer dia ou 60 horas ou mais por semana

Os três últimos se encaixam no que os pesquisadores classificaram como “uso indevido de mídia”, sendo um número excessivo de horas por dia ou semana em atividades digitais que desloca o tempo gasto em atividades do mundo real, como sono, atividade física, interações sociais, escola e trabalho.

“Qualquer criança que está usando seu telefone por nove horas por dia não está dormindo o suficiente e deve estar usando o telefone durante a escola“, explica Christakis. Considerando que adolescentes precisam dormir de 8 a 10 horas e passar 6 a 7 horas na escola, restam apenas cerca de 8 horas livres no dia.

A pesquisa, no entanto, analisa somente o tempo de uso do adolescente, sem levar em consideração o conteúdo acessado. Embora reconheça a importância do tipo de conteúdo consumido, Christakis defende que focar inicialmente apenas o tempo é mais pragmático e fácil —já que os próprios dispositivos móveis podem fazer esse registro. “Muitas pessoas enfatizam que devemos falar sobre o conteúdo também. E eu concordo. Mas isso nos paralisa como sociedade e a mim como pesquisador”, afirma.

Críticas à abordagem

O pesquisador defende que outros cientistas validem os pontos de corte estabelecidos em seu artigo, seguindo o modelo usado para o álcool: identificar fatores de risco, desenvolver estratégias de prevenção e tratamento precoce.

Nem todos os especialistas concordam com a metodologia proposta. Rodrigo Machado, psiquiatra do Programa de Transtornos do Impulso do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, especialista em dependências comportamentais, considera o artigo “atrasado” e critica a falta de especialização dos autores na área.

“Corre o risco de você patologizar comportamentos do cotidiano ou patologizar em excesso”, alerta Machado. Para ele, a abordagem confirmatória utilizada no estudo não é adequada, pois pode levar ao diagnóstico excessivo de pessoas que não necessariamente têm um transtorno.

Ele critica o uso automático de critérios diagnósticos baseados em dependência de álcool — como abstinência, fissura e tolerância — para identificar dependência em mídias digitais. Machado afirma que isso já foi feito com os jogos de azar e que, no caso, fizeram sentido, mas alerta que isso não pode ser generalizado para todas as dependências comportamentais.

Ambos os especialistas concordam, no entanto, que adolescentes são vulneráveis ao uso problemático de tecnologia.

“Eles não têm o córtex pré-frontal bem amadurecido, que é uma área importante do cérebro para a tomada de decisão e medição de riscos”, explica Machado. E, segundo ele, as redes sociais são desenhadas justamente para que as pessoas não queiram sair delas, com mecanismos que remetem a caça-níqueis, feed infinito e vídeos em reprodução automática que não dão nem a chance de escolha.

Apesar das divergências metodológicas, ambos concordam sobre a urgência do problema. “Acredito que é viciante. E é viciante porque foi projetado para ser viciante”, afirma Christakis, que compara a situação às restrições de idade para álcool e tabaco.

Machado diz que uma saída seria a criação de um “diagnóstico guarda-chuva”: “O uso problemático de internet de maneira mais ampla, com critérios muito bem definidos”, diz.

O debate científico continua e a pressão por soluções práticas aumenta. A discussão não é mais se o problema existe, mas como diagnosticá-lo e tratá-lo adequadamente.

Sinais de alerta para pais e educadores

Segundo Machado, alguns sinais indicam uso problemático de mídias digitais:

  • Perda da noção de tempo durante o uso
  • Dificuldade para interromper a atividade
  • Declínio na performance acadêmica ou profissional
  • Ruptura do padrão de sono
  • Isolamento social

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