Uma nova análise de dados coletados de uma pequena população indígena na Amazônia boliviana sugere que algumas de nossas suposições básicas sobre o processo biológico do envelhecimento podem estar erradas.
A inflamação é uma resposta imunológica natural que protege o corpo contra lesões e infecções. Os cientistas há muito acreditam que a inflamação de baixo grau e longa duração (“inflammaging”) é uma característica universal do envelhecimento. Mas esses novos dados levam a questionamentos: a inflamação está diretamente ligada ao envelhecimento ou está ligada ao estilo de vida ou ambiente?
O estudo, publicado na segunda-feira (30), descobriu que pessoas que vivem em duas áreas não industrializadas experimentaram um tipo diferente de inflamação ao longo de suas vidas, em comparação com pessoas de áreas mais urbanas. A inflamação também não parecia aumentar com a idade.
Os cientistas compararam sinais de inflamação em conjuntos de dados existentes de quatro populações distintas na Itália, em Singapura, na Bolívia e na Malásia; como não coletaram as amostras de sangue diretamente, não puderam fazer comparações exatas.
Mas, se validados em estudos maiores, os resultados poderiam sugerir que dieta, estilo de vida e ambiente influenciam mais a inflamação do que o próprio envelhecimento, diz Alan Cohen, autor do artigo e professor associado de ciências da saúde ambiental na Universidade Columbia.
“A inflamação de baixo grau e longa duração pode não ser um produto direto do envelhecimento, mas sim uma resposta às condições industrializadas”, disse, acrescentando que isso era um alerta para especialistas como ele de que poderiam estar superestimando sua prevalência globalmente.
“A forma como entendemos a inflamação e a saúde do envelhecimento é baseada quase inteiramente em pesquisas em países de alta renda como os EUA”, afirma Thomas McDade, antropólogo biológico da Universidade Northwestern. Mas um olhar mais amplo mostra que há muito mais variação global no envelhecimento do que os cientistas pensavam anteriormente, acrescentou.
O estudo provoca uma discussão valiosa, mas precisa de muito mais acompanhamento “antes de reescrevermos a narrativa do ‘inflammaging'”, diz Bimal Desai, professor de farmacologia que estuda inflamação na Escola de Medicina da Universidade da Virgínia.
No estudo, os pesquisadores compararam amostras de sangue de cerca de 2.800 adultos com idades entre 18 e 95 anos. Pessoas na região mais industrializada de Chianti, na Itália, e em Singapura mostraram os tipos de proteínas que sinalizam o “inflammaging”.
O grupo Tsimane na Bolívia e o grupo Orang Asli na Malásia, por outro lado, tinham marcadores inflamatórios diferentes, provavelmente ligados a infecções, em vez das proteínas que marcam o “inflammaging”. (Os quatro conjuntos de dados usaram amostras de sangue com consentimento dos sujeitos, seja por escrito ou verbal, e aprovação institucional.)
O fato de os marcadores de inflamação parecerem tão semelhantes em grupos de regiões industrializadas, mas tão diferentes dos outros, é impressionante, diz Aurelia Santoro, professora associada da Universidade de Bolonha, que não participou do estudo. “Isso sugere que as células imunológicas são ativadas de maneiras fundamentalmente diferentes dependendo do contexto.”
Os marcadores proteicos da população Tsimane estavam menos ligados ao “inflammaging” do que os dos Orang Asli; os autores especulam que isso pode se dar devido a diferenças no estilo de vida e dieta.
Alguns especialistas questionaram a significância das descobertas. Vishwa Deep Dixit, diretor do Centro de Pesquisa sobre Envelhecimento de Yale, afirma que não é surpreendente que estilos de vida com menos exposição à poluição estejam ligados a taxas mais baixas de doenças crônicas. “Isso se torna um argumento circular” que não prova nem refuta se a inflamação causa doenças crônicas, afirma.
De qualquer forma, os resultados precisam ser validados em estudos maiores e mais diversos que acompanhem as pessoas ao longo do tempo, dizem os especialistas.
Embora tivessem taxas mais baixas de doenças crônicas, as duas populações indígenas tendiam a ter expectativas de vida mais curtas do que as pessoas em regiões industrializadas, o que significa que elas podem simplesmente não ter vivido o suficiente para desenvolver o “inflammaging”, diz Santoro.
Problema pode estar ligado à vida urbana
Como o estudo analisou marcadores proteicos em amostras de sangue, e não diferenças específicas de estilo de vida ou dieta entre as populações, os cientistas tiveram que fazer suposições sobre por que grupos industrializados experimentam mais “inflammaging”, diz Cohen.
McDade, que já estudou inflamação no grupo Tsimane, especulou que populações em regiões não industrializadas podem ser expostas a certos micróbios na água, alimentos, solo e animais domésticos mais cedo em suas vidas, fortalecendo sua resposta imunológica mais tarde.
Ao mesmo tempo, pessoas em ambientes urbanizados e industriais são “expostas a muitos poluentes e toxinas”, muitos dos quais têm “efeitos pró-inflamatórios demonstrados”, afirma.
Dieta e estilo de vida também podem desempenhar um papel: os Tsimane tendem a viver em pequenos assentamentos e seguir uma dieta predominantemente à base de plantas, diz o antropólogo.
Também pode haver tipos bons e ruins de inflamação, afirma Cohen. Embora as populações indígenas experimentassem inflamação por infecção, esses níveis não estavam ligados a doenças crônicas mais tarde na vida. Isso pode significar que a presença de inflamação por si só não é tão ruim quanto pensávamos, acrescenta.
Não está claro se as pessoas podem fazer algo para gerenciar o “inflammaging” no final da vida. Pessoas que desejam envelhecer de forma mais saudável podem se beneficiar mais comendo melhor e se exercitando mais para regular a resposta imunológica a longo prazo, em vez de se concentrar em medicamentos ou suplementos anunciados para combater a inflamação, diz Cohen.