“Acho que posso realmente me apaixonar quando sei tudo sobre alguém… A forma como ele penteia o cabelo, qual camisa vai vestir naquele dia, saber exatamente qual história ele contaria em uma determinada situação”, diz Celine, a personagem de Julie Delpy, em “Antes do Amanhecer“. O filme faz parte da trilogia do diretor e roteirista Richard Linklater, que mostra o começo de um relacionamento e sua evolução ao longo dos anos —da fase da paixão, passando por crises e o esfriamento da relação.
No contexto de casais reais, a apresentadora Fernanda Lima, 47, casada há mais de 20 anos com o também apresentador Rodrigo Hilbert, 45, falou em um podcast sobre como é difícil encontrar tempo para fazer sexo com o marido por causa da rotina acelerada dos dois.
O desabafo de Fernanda levantou um questionamento nas redes sociais: o sexo é termômetro de que o relacionamento não está caminhando bem ou não?
“O que frequentemente acontece é que o casal vai se acostumando com a ausência da intimidade sexual. Essa acomodação pode até fortalecer o pacto de convivência e o companheirismo, mas acaba por esvaziar a dimensão erótica do relacionamento”, explica o mestre em psicologia clínica Marcos Torati, especializado em psicanálise e psicoterapia focal.
O sexo cumpre um papel fundamental: mantém viva essa conexão lúdica e sensual entre o casal. Não é à toa que muitos casais redescobrem o desejo ao assistirem juntos a um filme romântico ou mais erótico. Esses momentos funcionam como um lembrete do que existe —ou poderia existir —entre eles.
O fato é que a falta de sexo nem sempre é sinal de que algo está ruim, mas mostra uma mudança. À medida que os relacionamentos evoluem, espera-se que o amor inicial, marcado por paixão e encantamento, dê lugar a uma conexão mais madura e estável. Com o tempo, prioridades como finanças, projetos em comum, criação de filhos e objetivos de vida tornam-se centrais, diz o psicólogo.
A empreendedora Giovanna, 31, e o designer de móveis Rafael, 31, que pediram para não ter os sobrenomes divulgados, estão juntos há 11 anos e são noivos. Ao longo dos anos, mantiveram uma vida sexual intensa e buscaram novidades, como sair para baladas fingindo que não se conheciam. Com o tempo, porém, a rotina diminuiu a frequência sexual, mas Giovanna conta que passou a valorizar outros momentos de qualidade: jogar videogame, jogos de tabuleiro ou colaborar com o trabalho um do outro.
“A comunicação sempre foi a chave: quando o sexo ficou escasso, antes do primeiro término, foi um problema. Mas agora, mesmo transando menos, isso não nos afeta porque conversam abertamente”, afirma.
Giovanna conta que recentemente eles discutiram sobre os desafios de morar juntos —a falta de saudade, as brigas sem espaço para respirar Mas ela brinca que, hoje, se tivesse que escolher entre um parceiro “bom de cama” ou um “bom de casa”, ficaria em dúvida. Ela reconhece que o noivo é incrível e que a maturidade do relacionamento está justamente nesse equilíbrio entre paixão, parceria e a habilidade de se reinventarem juntos.
A questão sexual é importante, mas não é a única coisa que pode manter e fortalecer um relacionamento, afirma a psiquiatra Danielle Admoni.
“Assim como a paixão, o sexo vai sendo substituído de uma maneira mais tranquila por outros interesses, como poder fazer outras coisas juntos, de ter objetivos em comum.” Um relacionamento que se sustenta apenas no aspecto sexual tende a se esgotar, pois falta a base essencial de companheirismo e objetivos comuns que dão sentido duradouro à relação, afirma a psiquiatra. “O verdadeiro vínculo se constrói na capacidade de crescer juntos, transformando a paixão em parceria para a vida.”
O psicólogo Marcos Torati explica que essa paixão inicial é narcísica: “Você ama pelo desejo de ser amado, muitas vezes sem necessariamente enxergar o outro de verdade. A idealização predomina, e cada encontro é planejado com esforço, tornando-se especial e carregado de desejo“.
A psicóloga Laila, 32, e o empreendedor Lucas, 36, juntos há 8 anos, que também pedem para não ter os sobrenomes divulgados, exemplificam essa evolução. Para ela, “o desejo é alimentado na troca de cuidados e na parceria que construímos juntos”. Lucas identifica o amadurecimento quando passaram a projetar um futuro compartilhado, em que o vínculo se fortalece na construção diária de algo maior que ambos individualmente.
Voltando à trilogia de Richard Linklater, em outro diálogo Celine pergunta a Jesse, personagem de Ethan Hawke, se já ouviu falar que, conforme os casais envelhecem, eles perdem a capacidade de se escutarem. Ela explica que, supostamente, os homens perdem a audição dos sons mais agudos, enquanto as mulheres perdem a dos graves. Jesse responde: “Acho que é a maneira da natureza de permitir que os casais envelheçam juntos sem se matarem”.
Por mais irônica que seja a resposta de Jesse, a metáfora cinematográfica toca em algo real sobre relacionamentos duradouros: que precisam de uma constante adaptação sobre a convivência com o outro. É preciso aprender a ouvir não apenas as palavras, mas os silêncios, as mudanças sutis, as necessidades que evoluem com o tempo. É nessa intimidade cotidiana, construída dia após dia, que os relacionamentos encontram sua força mais duradoura.