O financiamento para programas de saúde global, voltado para países de baixa e média renda, deve atingir em 2025 o menor valor em 16 anos. O montante deve cair este ano para US$ 38,4 bilhões (R$ 213,62 bilhões), cifra vista pela última vez em 2009, aponta estudo publicado este mês na revista The Lancet.
A estimativa preliminar para 2025 representa uma queda de 22% em relação aos US$ 49,6 bilhões (R$ 275,92 bilhões) registrados em 2024 e uma queda de 52% em relação ao pico de US$ 80,3 bilhões (R$ 446,71 bilhões) atingido em 2021, durante a pandemia de Covid-19.
Os cortes orçamentários anunciados por grandes doadores e, particularmente, a redução na ajuda dos Estados Unidos —estimada em 67% em 2025, ou US$ 9,5 bilhões (R$ 52,85 bilhões), em comparação a 2024—, são os principais impulsionadores da diminuição. Este é o primeiro estudo a apresentar estimativas abrangentes do financiamento de saúde global desde que cortes foram anunciados por doadores entre o final de 2024 e o início de 2025.
As projeções futuras indicam ainda uma queda contínua, com o valor atingindo US$ 36,2 bilhões (R$ 201,38 bilhões) em 2030 sob as políticas atuais. O estudo indica que o cenário ameaça reverter os ganhos de saúde global obtidos nas últimas décadas, relacionados especialmente a vidas salvas e mortes prevenidas e evitáveis, e progressos nas áreas de HIV/Aids e saúde de recém-nascidos.
O presidente Donald Trump suspendeu boa parte da ajuda externa dos EUA ao assumir o cargo em 20 de janeiro. Desde então, países de baixa ou média renda têm sofrido impactos na área da pesquisa médica, contracepção, vacinas infantis e infectologia. Estudo publicado na Lancet no mês passado apontou que os cortes podem provocar mais de 14 milhões de mortes de pessoas em vulnerabilidade.
Além dos Estados Unidos, também anunciaram cortes o Reino Unido (US$ 2 bilhões em 2024 para US$ 1,2 bilhão), a França (de US$ 1,7 bilhão para US$ 1,1 bilhão), Alemanha (US$ 2,6 bilhões para US$ 2,3 bilhões) e Finlândia (de US$ 136,8 milhões para US$ 122 milhões). Além dos países, agências de ajuda bilateral operadas por governos membros do Comitê de Assistência ao Desenvolvimento, da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), também devem reduzir os gastos.
Os principais motivos para a redução de ajuda externa são apontados como a incerteza econômica global e demandas fiscais concorrentes, tensões geopolíticas, além do custo de reassentamento de migrantes. A estimativa é que a região da África Subsaariana seja a mais afetada —principalmente Congo, Sudão do Sul, Zâmbia, Moçambique e Somália—, além do sul da Ásia e sudeste asiático, leste asiático e Oceania. África do Sul, Gabão, Quênia e Gana também correm riscos devido à elevada ajuda que recebem.
“Normalmente, teríamos lançado o estudo este com ano com dados apenas até 2024, mas por causa de todos os cortes anunciados, estendemos o trabalho por mais um ano com outra estimativa preliminar”, explica uma das autoras, Angela Esi Apeagyei, professora assistente no Instituto de Métricas e Avaliação de Saúde (IHME, na sigla em inglês) da Universidade de Washington. “E como conseguimos isso: basicamente fizemos uma revisão de todas as fontes públicas, anúncios na mídia sobre cortes de ajuda. E também usamos documentos orçamentários que foram divulgados oficialmente”.
Os dados dos anos anteriores a 2025 foram obtidos de fontes como o sistema de relatórios de credores da OCDE, bancos de dados de agências como o Fundo Global de Combate à Aids, Tuberculose e Malária e Gavi (Aliança Global para Vacinas e Imunização), e relatórios financeiros de organizações filantrópicas privadas e ONGs (organizações não-governamentais).
O banco de dados do IHME para a assistência ao desenvolvimento para a saúde é o mais abrangente no assunto e fornece estimativas desde 1990 por fonte, entidade recebedora e área de saúde, incluindo doações, empréstimos e custos administrativos.
“Primeiro, fazemos as estimativas para desembolsos de ajuda no nível de canal individual. Segundo, reunimos tudo para garantir que não haja dupla contagem. E, então, a nova coisa que fizemos foi gerar a estimativa para o ano atual. Coletamos os cortes anunciados e todos os relatórios oficiais de ajuda, como orçamentos futuros. E então usamos isso para ajustar nossas estimativas do ano atual e depois as estimativas futuras até 2030 com base em todas essas informações”, resume Esi Apeagyei.
O estudo destaca ainda que, embora alguns países tenham se comprometido a aumentar os gastos domésticos em saúde como resposta, os autores apontam que é improvável que esses esforços preencham completamente a lacuna de financiamento.
Eles afirmam que, sem um planejamento estratégico urgente, incluindo aumento do investimento doméstico e mecanismos de financiamento inovadores, os ganhos de saúde global alcançados nos últimos 30 anos podem ser revertidos.
Como limitações, Esi Apeagyei destaca que a situação é dinâmica, com cortes e respostas sendo anunciados diariamente por governos e instituições. Além disso, os autores alertam que pode haver lacunas entre o valor comprometido e o que é realmente desembolsado, e que muitos dos cortes propostos ainda estão passando por processos legislativos, o que pode fazer com que os valores finais se desviem das estimativas. Também presume-se que as escolhas políticas anunciadas para 2024 e 2025 serão mantidas em termos reais até 2030.
A ideia do estudo é que as estimativas preliminares ajudem a fornecer um quadro abrangente de cortes, o que pode fazer com que respostas sejam planejadas.
“A esperança é que, ao compreender as potenciais implicações desses cortes, qualquer que seja a resposta que esteja sendo planejada, esse tipo de informação possa ajudar a orientar qual será o melhor uso dos recursos limitados”, acrescenta.