Página Inicial Saúde Gêmeas siamesas separadas na infância são famosas em MT – 13/07/2025 – Equilíbrio e Saúde

Gêmeas siamesas separadas na infância são famosas em MT – 13/07/2025 – Equilíbrio e Saúde

Publicado pela Redação

As irmãs Kauany Aparecida e Keroly Joice Gonçalves Miranda, de 15 anos, são famosas em Jauru, cidade no interior do Mato Grosso com pouco mais de 8.300 habitantes. Desde que elas nasceram, em janeiro de 2010, os moradores acompanham a história das gêmeas siamesas —ou xifópagas— que forma separadas ainda na infância.

A mãe, Selma Gonçalves Maurício Miranda, descobriu que elas estavam ligadas pelo abdômen no quinto mês de gestação, em setembro de 2009. No ultrassom, o médico identificou um corpo, três pernas e duas cabeças.

“Foi um susto. Pensei até que tivesse erro no exame. Nenhuma mãe está preparada para uma notícia assim, mas eu tinha fé. Fiz uma promessa: se elas sobrevivessem, uma delas levaria o nome Aparecida, em homenagem a Nossa Senhora da Aparecida“, diz Selma. Foi assim que Kauany recebeu o segundo nome.

Elas nasceram em 22 de janeiro de 2010, no Hospital Universitário Júlio Müller (HUJM), em Cuiabá. No primeiro ano, passaram por uma série de exames em São Paulo até a cirurgia de separação.

A operação, realizada pela equipe do ICr-HCFMUSP (Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), durou 12 horas.

“Cada hora parecia um ano no meu coração. Minhas meninas têm duas datas de nascimento: 22 de janeiro e 29 de novembro, dia da cirurgia”, afirma Selma.

Não há causas ambientais, genéticas ou demográficas associadas de forma consistente à formação de gêmeos siameses, segundo Mauro Grynszpan, ginecologista e obstetra do Hospital Samaritano Higienópolis, em São Paulo. “Tampouco existe uma forma conhecida de prevenção, já que se trata de um mecanismo embrionário ainda pouco compreendido”, afirma.

A incidência de gêmeos siameses é cerca de um para cada 100 mil nascidos vivos, de acordo com o NIH (Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos). A condição ocorre na gravidez de gêmeos monozigóticos, que se originam da fertilização de um único óvulo por um único espermatozóide, mas que se dividem em dois embriões. No entanto, ocorre uma falha no processo e os fetos não se separam totalmente.

“A mortalidade é alta e poucos bebês possuem sobrevida e chegam à condição de serem operados”, explica Matheus Beleza, ginecologista, obstetra e diretor médico da Maternidade Brasília, da Rede Américas, especializado em Medicina Fetal e Gestação de Alto Risco.

“A taxa de sobrevivência pós-separação varia entre 60% e 75%, dependendo do tipo de união e centros envolvidos. Separações realizadas após meses de estabilização e planejamento detalhado tendem a ter melhores desfechos do que as feitas logo após o nascimento”, completa Beleza.

No caso de Kauany e Keroly, elas têm corações independentes, o que tornou o procedimento possível. Mesmo assim, os médicos classificaram o caso como raríssimo, já que as irmãs estavam unidas por fígado, estômago, intestino grosso e pelos sistemas genital e urinário —fatores que aumentavam os riscos.

Ana Cristina Aoun Tannuri, chefe da Divisão de Cirurgia Pediátrica e Transplante Hepático Pediátrico do ICr-HCFMUSP, acompanha o caso das meninas e explica que toda cirurgia para separação de gêmeos consiste em um desafio para a equipe cirúrgica.

“São casos extremamente raros e com grande diversidade de apresentação, ou seja, cada um tem uma anatomia específica. Precisamos realizar uma série de exames para entender previamente como é a disposição dos órgãos, para que durante o procedimento seja possível a manutenção das estruturas vitais para as duas irmãs”, detalha Tannuri.

A cirurgia foi bem-sucedida, mas exigiu que a família retornasse mensalmente a São Paulo para acompanhar a recuperação por alguns anos. A terceira perna, malformada, foi amputada, e hoje as meninas usam cadeiras de rodas e só precisam vir uma vez ao ano para a capital paulista para fazer exames gerais.

Em agosto de 2011, Keroly passou por uma nova cirurgia para a retirada do rim esquerdo. “Fiquei dois meses no hospital para acompanhar todo o processo. O médico decidiu operar após identificar pedras nos rins dela”, conta Selma. Kauany também enfrentou desafios: o abdômen ainda requer atenção especial devido à cicatrização.

Esses dois meses separadas foram, até hoje, o maior tempo que passaram longe uma da outra. “A mãe conta que a gente tinha muita febre, ficava com a cabecinha procurando uma a outra. Nós fomos separadas, mas continuamos próximas. Ela é a minha melhor amiga”, diz Kauany.

Apesar do sucesso da cirurgia, ambas convivem com complicações que exigem acompanhamento constante. As duas usam bolsa de colostomia, o que demanda uma rotina de cuidados redobrados. Keroly não possui o intestino grosso e enfrenta dificuldades no funcionamento da bexiga, o que exige o uso constante de fraldas e cuidados contínuos.

Segundo o especialista Matheus Beleza, essas são sequelas comuns: “Eventuais déficits motores, dependendo da vascularização e reconstruções; problemas hepáticos ou digestivos a longo prazo; necessidade de novas cirurgias reconstrutivas; alterações na parede abdominal e cicatrizes extensas”.

“O corpo não absorve direito os nutrientes, sabe? Até a água sai rapidinho. Se eu tomar um litro agora, em dois minutos já estou no banheiro. Então não tem muito controle”, explica Keroly. “O médico ainda falou: ‘Você vai ter que cuidar para o resto da vida’.”

Mesmo diante de tantos desafios, elas seguem com bom humor. As duas dividem o quarto, os croppeds e, claro, a rotina que compartilham para 17 mil seguidores no TikTok. Acordam por volta das 10h, tomam banho, almoçam e seguem para a escola, onde são bem acolhidas pelos colegas e por uma cuidadora que acompanha as duas desde o sexto ano do ensino fundamental. Nunca sofreram bullying —talvez porque, como dizem, “já são meio doidas” e não deixam ninguém mexer com elas.

A festa de 15 anos, prevista para janeiro, teve que ser adiada —o orçamento apertou por conta dos remédios, consultas e exames. A nova data pensada é 29 de novembro, o dia em que foram separadas. “A gente fala que tem duas datas de nascimento. Se não der para fazer agora, a gente comemora os 16 mesmo”, explicam.

Para o médico Matheus Beleza, casos como o das gêmeas representam “a necessidade de integração total entre os serviços de medicina fetal, obstetrícia e neonatologia. Garantir que todas as crianças, independentemente de sua origem ou classe social, possam ter acesso à cirurgia de separação não é apenas um avanço técnico, mas uma afirmação ética na busca de dignidade a estes indivíduos e suas famílias”.

O ginecologista Mauro Grynszpan reforça que o Brasil possui centros de referência capazes de realizar esse tipo de cirurgia, como hospitais universitários e instituições como a Santa Casa. “No entanto, em casos mais complexos, pode ser necessário buscar colaboração internacional, especialmente quando há demanda por tecnologias 3D mais avançadas ou expertise específica. A rede brasileira vem evoluindo, mas parcerias globais continuam sendo estratégicas”, afirma.

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