Os neurônios dopaminérgicos do cérebro levam toda a fama quando se fala de prazer e motivação, mas está na hora de você saber que não há dopamina no cérebro que não seja liberada sem a autorização prévia de uma partezinha do cérebro um tanto negligenciada e de nome incomum: a habênula (diminutivo do latim para habena, rédeas, por causa do seu formato alongado). Como ela é vizinha da pineal, os anatomistas que desprezavam a habênula supunham que ela devia fazer algo mínimo como a colega, que secreta uma melatoninazinha e só.
Mas o nome, quem diria, é mais apropriado do que se supunha. Um lindo estudo publicado na revista Science, fruto de uma colaboração entre neurocientistas de várias instituições de pesquisa na China, mostrou recentemente que é pela habênula que o cérebro tem de fato as rédeas da área tegmentar ventral e da substância negra, as duas estruturas que são a fonte de praticamente toda a dopamina que promove prazer e motivação. Como freio que é, se a atividade da habênula aumenta, a liberação de dopamina diminui –e sem dopamina, como todo mundo que tem conta em rede social já está cansado de saber, o cérebro não encontra razão para mover um dedo sequer.
O estudo chinês demonstrou que a atividade da habênula é autorregulada por reciclagem dos receptores de glutamato que recebem sinais do córtex cerebral. Os receptores reciclados são retirados da membrana, no equivalente de recolher da mesa os copos que já serviram. Assim como sem copos não se bebe mais, a remoção de receptores da membrana dos neurônios ativados na habênula saudável deixa esses neurônios menos sensíveis.
É o que acontece em caso de estresse agudo: o glutamato que sinaliza o estresse promove reciclagem que traz a atividade da habênula de volta para baixo e solta as rédeas que controlam a liberação de dopamina. Na prática, portanto, o estresse agudo acaba favorecendo a ação. O que é ótimo, porque assim o cérebro faz alguma coisa a respeito do problema da vez, e pronto.
Mas às vezes não é possível fazer alguma coisa, por exemplo porque um pesquisador colocou você, camundongo, em um tubinho apertado, em nome da ciência, justamente para ver o que acontece quando você perde o controle da sua vida e o estresse, que não vai embora, vira crônico por definição. O estudo chinês mostrou que, nesse caso, o tiro sai pela culatra e o excesso de ativação da habênula causado pelo estresse acaba exacerbando a si mesmo, porque, com o estresse berrando glutamato, a tal reciclagem de receptores vai para as cucuias, os receptores se acumulam, e os neurônios da habênula ficam hiperexcitáveis em resposta a qualquer glutamatozinho, como crianças entupidas de refrigerante com cafeína.
Agora hiperativa, a habênula puxa as rédeas da área tegmentar ventral e da substância negra, e pronto: já era a liberação de dopamina. O resultado é a anedonia, nome chique da perda da capacidade biológica de sentir e antecipar prazer, que dá para se notar até mesmo em camundongos pela sua inércia aumentada, como se tivessem perdido a vontade de fazer qualquer coisa, até de se mexer. Em humanos que podem dizer como se sentem, a gente chama esse estado de depressão.
E é aqui onde entram os antidepressivos, seja na forma de quetamina, de ação rápida, ou paroxetina, de ação lenta: eles restauram a reciclagem, acalmam a habênula, e acabam com a anedonia. Pronto: está achada a agulha no palheiro da depressão. Que venha agora mais ciência para encontrar novos remédios para a habênula!
Referências
Corona A, Kenny PJ (2025) Chronic stress disrupts cellular housekeeping. Science 641, 317-318.
Yang L et al. (2025) Stress dynamically modulates neuronal autophagy to gate depression onset. Science 641, 427-437.
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