A decisão da Corte Internacional de Justiça (CIJ) em Haia que responsabiliza Estados nacionais por danos da mudança climática tem sido vista como alavanca para desatolar a COP30 em Belém. Mas nem mesmo doce se mostra essa ilusão.
Enquanto a amargura não dominar relações internacionais a ponto de levar esse crime de lesa-humanidade também ao Tribunal Penal Internacional, na mesma cidade da Holanda, nada pode avançar. Mas, ainda assim, quem acredita que o TPI logrará um dia condenar facínoras da estirpe de Donald Trump e Vladimir Putin?
A CIJ é um tribunal ligado às Nações Unidas. Foi criado em 1945 e apenas emite recomendações sobre contenciosos entre Estados envolvendo fronteiras, recursos naturais e outros temas de direito internacional.
Já o TPI, fundado em 2002, julga indivíduos acusados de crimes contra os direitos humanos cometidos em guerras, conflitos internos e repressão estatal. Não é órgão da ONU e carece de reconhecimento por países decisivos, como Estados Unidos, Rússia, China e Israel.
O parecer de 133 páginas da CIJ tem, sim, enorme importância simbólica. Não é pouca coisa oferecer base legal para nações de baixa renda processarem outras que agravam o aquecimento global e se omitem no esforço de mitigá-lo, ou para cidadãos acionarem os próprios governos (como na Holanda em 2019).
Mas a decisão se resume a isso —símbolos e palavras que se desmancham no ar. Os governantes de Vanuatu, ilhas do Pacífico fadadas a submergir na elevação do nível do mar, podem declarar vitória moral na ação levada à CIJ, mas isso não salvará seus 320 mil habitantes da relocação em terras mais altas.
O tribunal determinou que nações pobres ameaçadas com os piores estragos da crise do clima, como Bangladesh (população de 172 milhões), têm direito a reparações por desastres em eventos extremos. Países desenvolvidos teriam obrigação de compensá-las, segundo a corte.
Não há poder no mundo capaz de forçá-los a tanto. Questionada sobre o parecer incriminador da CIJ, a porta-voz da Casa Branca, Taylor Rogers, reagiu com soberba: “O presidente Donald Trump e toda sua administração estão comprometidos com colocar a América em primeiro lugar e priorizar os interesses de americanos comuns”.
Trump, líder eleito no país que mais contribuiu historicamente para aquecer a atmosfera, não se limitou a deixar o Acordo de Paris —pela segunda vez. Nem a levantar barreiras para a extração de petróleo e dizimar a pesquisa sobre mudanças climáticas. Fez e vai fazer mais.
Segundo o New York Times, a agência ambiental dos EUA rascunha uma decisão para suspender o reconhecimento científico de que gases do efeito estufa ameaçam vidas humanas. Efetivada, ela retiraria da EPA a autoridade para regular esses poluentes e combater o aquecimento resultante.
A Rússia de Putin, grande exportadora de combustíveis fósseis, sempre sabotou negociações do clima. Sobram então para tirar a COP30 do lodo potências como a União Europeia, que ora prioriza gastos com rearmamento, e a China, hoje o maior poluidor do clima.
Isso com um sistema de direito internacional impotente até para deter o óbvio genocídio em curso na Faixa de Gaza. É para perder todas as ilusões.
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