Página Inicial Saúde IA na saúde desafia proteção de dados e conduta médica – 27/06/2025 – Mercado

IA na saúde desafia proteção de dados e conduta médica – 27/06/2025 – Mercado

Publicado pela Redação

A arquiteta Lorena Aguiar, 36, teria que esperar três horas no hospital por um atendimento médico para o filho Lucas, 2, não fosse uma solução de IA (inteligência artificial), que permite que pacientes com sintomas leves retirem uma senha remota e aguardem em uma fila virtual em casa até o horário da consulta.

“Entrei na fila virtual às 20h e a previsão de atendimento era às 23h. Então aproveitei para ficar mais tempo em casa. Meu filho conseguiu dormir e eu consegui fazer minha reunião. Só fui para o hospital depois. Foi uma comodidade muito grande”, disse Lorena.

A solução foi implementada em janeiro deste ano em cinco unidades de saúde da rede Mater Dei, em Belo Horizonte e Salvador. A ferramenta reduziu em até 60% o tempo de espera dos pacientes no pronto-socorro, segundo a rede.

Lara Salvador, diretora de inovação e experiência do paciente da Mater Dei, conta que a equipe mapeou a jornada do paciente e identificou as principais dificuldades enfrentadas desde que saem de casa. A demora no atendimento era uma das maiores queixas.

“Decidimos priorizar esse ponto, que é o que mais influencia a experiência e traz mais conforto ao paciente. Isso também impacta positivamente o dia a dia das pessoas que estão trabalhando ali”.

A equipe analisou práticas de outros setores e focou no mercado de restaurantes, que já utiliza sistemas para organizar reservas e filas virtuais. O desafio era aplicar essa lógica ao ambiente de saúde. Em parceria com a A3Data, consultoria especializada em dados e inteligência artificial, o desenvolvimento da solução teve início.

“O modelo considera diversos fatores, como localização, sazonalidade, dia da semana, fluxo diário e tipo de especialidade”, explicou Rodrigo Pereira, CEO da A3Data.

Nos últimos cinco anos, surgiram 70 startups de IA na saúde na América Latina, com o Brasil respondendo por 64,8% dessas iniciativas, segundo o Relatório HealthTech Recap 2024.

O avanço e a maturação dos modelos de deep learning, o aprimoramento das técnicas de processamento de linguagem natural e a ampla disseminação de estruturas de computação em nuvem e de alto desempenho foram fatores que impulsionaram esse surgimento.

O aumento da digitalização dos processos médicos, no entanto, eleva a exposição dos dados pessoais e sensíveis dos pacientes, exigindo cuidados redobrados. É o que afirma Gustavo Zaniboni, fundador da empresa de consultoria em inteligência artificial Redcore.

“Quando os meus dados saem do meu celular através do aplicativo para chegar no sistema do hospital, eles ficam mais expostos. Informações relacionadas à minha saúde são dados pessoas sensíveis, segundo a LGPD [Lei Geral de Proteção de Dados], então é preciso aumentar a regra dos cuidados”, afirmou.

A fila virtual, por exemplo, utiliza a tecnologia AWS (Amazon Web Services) para armazenar informações dos pacientes. O sistema é uma plataforma de serviços de computação em nuvem oferecida pela Amazon, big tech norte-americana.

Uma vez que os dados estão sob a guarda de empresas estrangeiras, isso levanta discussões sobre soberania e segurança dos dados, alerta Zaniboni. Isso porque existe uma lei dos Estados Unidos, a Cloud Act, que permite que autoridades americanas solicitem dados armazenados por empresas de tecnologia, mesmo que estejam fora do país.

No Brasil, há um esforço por parte do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de garantir que as informações dos brasileiros fiquem sob jurisdição nacional. A gestão já destinou R$ 1,2 bilhão a contratos com gigantes da tecnologia americanos e chineses para construir a chamada nuvem soberana, prevista no PBIA (Plano Brasileiro de Inteligência Artificial).

Do lado dos médicos, a IA também tem trazido facilidades. Antes, quando a ginecologista Raquel Silviano estava de férias ou de folga e um paciente precisava de uma receita com urgência, ela tinha que contar com a ajuda de um colega, já que fotos da prescrição ou PDFs sem assinatura digital não eram aceitos.

Hoje, ela consegue abrir um aplicativo no próprio celular, o Nuvie, e, por meio de comando de voz, emitir prontuários, prescrições, solicitações de exames e atestados com assinatura digital válida, e depois compartilhar o documento por WhatsApp.

“Isso facilitou demais, aumentou e melhorou muito a rapidez com que conseguimos realizar os processos médicos”, afirmou Raquel.

Gustavo Landsberg, médico de família e um dos idealizadores do Nuvie, explica que um dos principais objetivos da ferramenta é diminuir as tarefas administrativas e burocráticas dos médicos, permitindo que eles dediquem mais atenção a um atendimento humanizado.

“Os médicos dedicam um tempo excessivo no preenchimento de registros clínicos e documentos, como prescrições, pedidos de exames e atestados”, afirmou.

Como solução, o aplicativo utiliza IA para transcrever e interpretar conversas entre médicos e pacientes, identificando e organizando automaticamente sintomas, diagnósticos, prescrições e outros dados relevantes.

Para garantir precisão, os modelos de IA foram treinados com centenas de horas de áudios de médicos de diferentes regiões do Brasil, levando em conta sotaques e o vocabulário técnico da área de saúde.

Segundo Landsberg, o Nuvie já está em uso por mais de 3.300 médicos e foi responsável pela geração de dezenas de milhares de documentos para mais de 140 mil pacientes.

“O app pode ser acessado via web, por app móvel ou como plugin do navegador, facilitando a integração com diferentes sistemas e rotinas de trabalho”, disse Landsberg.

Outra solução de IA na área da saúde, o 224Scan, desenvolvido pela empresa de tecnologia em saúde Ninsaúde, de Criciúma (SC), é capaz de realizar pré-laudos de exames de raio-x em apenas 60 segundos. Para um radiologista, a tarefa poderia levar horas ou até dias, dependendo da demanda, uma vez que um único paciente traumatizado pode gerar mais de 4.000 imagens para análise.

Segundo Helton Marinho, sócio-fundador da Ninsaúde, a ferramenta busca ampliar o acesso da população a resultados médicos mais rápidos, reduzindo filas de espera por laudos.

“Com diagnósticos precoces, há melhores chances de tratamento e sobrevida de pacientes”, disse.

O CFM (Conselho Federal de Medicina) reconhece os avanços trazidos pela automatização de processos na saúde, mas alerta para a necessidade de cautela ao utilizar essas tecnologias.

Segundo o órgão, embora a automatização represente um progresso importante para a eficiência do atendimento, é fundamental que haja supervisão médica constante para evitar que fatores de confundimento —características clínicas ou de gravidade específicas de cada paciente— sejam negligenciados.

“É preciso ter cuidado com os vieses e respostas inadequadas, porque uma receita feita por engano pode ser fatal para o paciente”, informou o CFM por meio de nota.

Da mesma forma, o CRMMG (Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais), afirma que a responsabilidade pelo conteúdo escrito ou transcrito é exclusiva do médico.

“A plataforma apenas fornece a solução, mas quem a utiliza e valida é o profissional. Portanto, o médico é o responsável final por suas ações”, afirmou Robertson Correia, médico conselheiro do CRMMG.

“Acreditamos que essas tecnologias pode melhorar significativamente a qualidade do atendimento, desde que não substituam a função essencial do médico no cuidado e acompanhamento do paciente.”

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