Página Inicial Saúde Implante no coração evita AVC sem remédios – 06/06/2025 – Equilíbrio e Saúde

Implante no coração evita AVC sem remédios – 06/06/2025 – Equilíbrio e Saúde

Publicado pela Redação

Aos 54 anos, a entregadora Maria Ernestina Soares deu entrada no hospital com o corpo inchado, sinais de anemia e sangramento digestivo. O diagnóstico envolvia uma combinação delicada: fibrilação atrial, arritmia que aumenta o risco de AVC (acidente vascular cerebral), e uma condição intestinal crônica que a fazia sangrar com facilidade. O uso de anticoagulantes, indicado para evitar o derrame, agravava o quadro.

Após transfusões, uma cirurgia cardíaca e quase três meses de internação, foi um pequeno implante no coração que permitiu sua recuperação. A tecnologia, recomendada para pacientes com contraindicação ao uso de anticoagulantes, está disponível na rede privada, mas ainda não chegou ao SUS (Sistema Único de Saúde).

Em fevereiro deste ano, o HSPE (Hospital do Servidor Público Estadual) de São Paulo passou a oferecer o implante como opção de prevenção ao AVC para casos como o de Maria Ernestina, que fez o procedimento na unidade, em maio. A instituição pública atende servidores estaduais e seus dependentes.

No SUS (Sistema Único de Saúde), por sua vez, é oferecido um tratamento baseado em medidas clínicas, uso de anticoagulantes orais e acompanhamento médico individualizado como tratamento para pacientes com fibrilação atrial e para a prevenção de AVC, de acordo com o Ministério da Saúde.

“A incorporação de novas tecnologias na rede pública de saúde depende de análise técnica da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec). O processo envolve avaliação das evidências científicas, segurança do paciente e custo-efetividade”, diz a pasta.

Até o momento, não há pedido formal registrado na Conitec para avaliação e inclusão do implante no sistema público de saúde, acrescenta o ministério.

O HSPE afirma que, de janeiro de 2024 a maio de 2025, atendeu mais de 1.500 pacientes com fibrilação atrial. Segundo o hospital, de 1% a 2% têm contraindicação absoluta ao uso de anticoagulantes, enquanto outros 10% a 15% têm contraindicação relativa.

O implante, feito por meio de um procedimento minimamente invasivo, é definitivo, ou seja, oferece proteção contínua ao paciente. Aplicado em uma veia na virilha por meio de cateter guiado, o dispositivo bloqueia o apêndice atrial esquerdo, uma pequena bolsa no coração onde o sangue pode se acumular e formar coágulos em pacientes com fibrilação atrial. Se esses coágulos migram para o cérebro, podem causar um AVC.

“Esses coágulos podem se desprender, entrar na corrente sanguínea e chegar ao cérebro, bloqueando a passagem do sangue em uma artéria cerebral”, explica José Marcos Moreira, chefe do Serviço de Arritmia Cardíaca do HSPE.

Em pacientes com essa arritmia, os anticoagulantes atuam como um freio no sistema de coagulação, reduzindo o risco de AVC. Esse efeito, porém, não é seguro para todos, segundo Moreira. Quando o sangue tem mais dificuldade de coagular, até pequenos sangramentos podem se agravar, inclusive em locais como o cérebro ou o trato gastrointestinal.

Foi o caso de Maria Ernestina. Ao chegar ao hospital, os médicos identificaram também uma angiodisplasia intestinal, condição que causa fragilidade nos vasos e sangramentos recorrentes.

“Mesmo com todo o tratamento, minha hemoglobina seguia baixa. E os anticoagulantes impactavam negativamente no meu quadro. No dia 12 de maio, viram que eu não tinha melhorado e decidiram pelo novo procedimento com o implante”, conta.

A recuperação foi rápida. “Fiz o procedimento numa sexta e tive alta na segunda. Desde então, não tive mais sangramento e minha anemia sumiu. Estou bem, andando normal, subindo escada devagar como exercício.”

A paciente também passou por uma ablação, uma das formas de tratar a arritmia. O HSPE diz ter sido o primeiro serviço público a realizar os dois procedimentos de forma combinada.

Embora eficaz no controle da fibrilação atrial, a ablação não elimina completamente o risco de recorrência. Estudo publicado em 2020 no Journal of the American College of Cardiology acompanhou 2.204 pacientes por cinco anos e constatou que cerca de 52% ainda apresentaram recidiva da arritmia após o procedimento.

Entre os tratados apenas com medicamentos, a taxa de recorrência foi de 70,8% em quatro anos. Ou seja, mesmo após o tratamento, muitos pacientes ainda precisam usar anticoagulantes para prevenir o AVC, que só em 2024 foi responsável por mais de 84 mil mortes no Brasil, segundo o Portal de Transparência dos Cartórios. Entre 1º de janeiro e 5 de abril deste ano, foram 18.724 mortes, o que equivale a um óbito a cada sete minutos.

“Para esses pacientes que não podem usar anticoagulantes, a oclusão do apêndice atrial pode reduzir muito o índice de AVC em qualquer sistema de saúde”, afirma Moreira.

Professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e membro da ABN (Academia Brasileira de Neurologia), João Brainer destaca que o implante, além de ampliar as opções de tratamento, oferece uma integração mais estreita entre a cardiologia e a neurologia. Tal colaboração é considerada essencial, já que a fibrilação atrial, embora seja uma condição cardíaca, tem como uma de suas principais consequências o AVC.

“É um procedimento já aprovado, disponível na rede privada e coberto pela ANS [Agência Nacional de Saúde Suplementar]. O que falta é ampliar o acesso, especialmente no SUS. Do ponto de vista técnico, não há barreiras”, diz o neurologista.

Segundo Kati Dias, diretora de cardiologia intervencionista da Boston Scientific, empresa fabricante do dispositivo adquirido pelo HSPE, a tecnologia tem mais de 20 anos de estudos clínicos e o procedimento já foi realizado mais de 500 mil vezes no mundo. No Brasil, faz parte do rol da ANS desde julho de 2023, o que garante cobertura pelos planos de saúde.

“Temos trabalhado para viabilizar o uso do dispositivo também na rede pública, com iniciativas como o treinamento de equipes médicas e parcerias com hospitais, como o próprio HSPE”, diz.

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