Em cenas da novela “Vale Tudo” (Globo), os funcionários da agência de publicidade Tomorrow chegam ao trabalho com suas bolsas térmicas e almoçam e lancham refeições caseiras. As populares marmitas dividem o espaço do horário nobre com a sofisticada Odete Roitman (Debora Bloch).
Ainda que o folhetim também faça merchandising com marcas de eletrodomésticos, a marmita está na moda. A atriz Taís Araújo, intérprete da protagonista Raquel, já mostrou nas redes sociais que também leva comida de casa para o set. Ainda nos corredores da TV Globo, o jornalista e apresentador Cesar Tralli, também já disse que prefere o arroz com feijão de casa.
O costume de levar comida para o trabalho não é novidade, mas se antes isso poderia ser associado à falta de dinheiro, hoje é algo mais ligado às mudanças dos hábitos alimentares, incluindo pelas pessoas de maior renda, devido a uma maior preocupação com a saúde, sugerem estudiosos da área.
Hábitos saudáveis
A cultura alimentar também passou por mudanças durante a pandemia de Covid-19. Estudos sobre alimentação no período de isolamento apontam que as famílias passaram a consumir mais refeições feitas em casa. Segundo a nutricionista Patricia Nehme, doutora em saúde pública pela USP, esse hábito se manteve nos anos seguintes.
Cinco anos depois, cada vez mais influenciadores exibem suas compras da semana e a montagem de marmitas para uma rotina de alimentação saudável. Na avaliação de Cibele Crispim, nutricionista e professora da UFU (Universidade Federal de Uberlândia), tais publicações contribuem para disseminar informações.
“As pessoas realmente têm buscado, a partir das informações que obtêm de profissionais e também das redes sociais, adotar uma alimentação mais saudável. Nesse contexto, entende-se que comer fora facilita escolhas menos interessantes”, diz.
De acordo com a nutricionista, preparar a própria comida permite controlar a quantidade de gordura, sal e aditivos, substâncias associadas a doenças cardiovasculares.
Crispim cita ainda uma mudança cultural. “Influenciadores de saúde mudaram a visão das pessoas. Levar marmita deixou de ser motivo de vergonha. Virou sinal de cuidado com a saúde e influência positiva”, afirma.
Manuela Dias, autora de “Vale Tudo”, disse ter considerado esse movimento ao decidir incluir a marmita nas cenas. “É um hábito saudável, econômico e ecológico, já que não gera lixo de embalagem”, disse, em nota enviada à Folha.
O aspecto financeiro, de toda forma, ainda pesa na escolha por refeições caseiras. “O preço dos alimentos subiu, e o vale-refeição muitas vezes não acompanha a inflação”, diz Patricia Nehme.
A contínua Pollyana dos Santos Biano, 24, diz preparar em casa a comida da semana para economizar. “Eu recebo ticket-alimentação. Se eu gastar [o valor] no mercado, consigo passar o mês. Se eu gastar em restaurantes, não consigo usar o mês inteiro”, conta.
Embora tenha que reservar um tempo do final de semana para fazer toda a preparação, ela diz que o esforço vale a pena e que costuma variar nos pratos para não enjoar. “Tem dias em que eu faço um escondidinho, uma lasanha ou um caldo para mudar o feijão, o arroz e o macarrão de todos os dias.”
Dados da consultoria Kantar mostram que comer fora ficou 23% mais caro em 2024 em relação ao ano anterior. Para as classes D e E, o aumento chegou a 30%.
O mercado também tem surfado na tendência para vender produtos, e a variedade de potes térmicos cresce em formato, tamanho e preço. Marcas como Pacco e Le Creuset chegam a cobrar R$ 400 por uma unidade.
Dicas e recomendações
Patricia Nehme recomenda montar uma marmita com alimentos variados, seguindo as orientações do Guia Alimentar para a População Brasileira.
A refeição deve conter proteínas (como carnes magras, frango, peixe, ovos e leguminosas), carboidratos (arroz ou macarrão), gorduras boas (como azeite extravirgem), fibras (legumes e verduras) e fontes de vitaminas e minerais (frutas).
Caso vá armazenar a comida por algumas horas, o ideal é manter a marmita em uma geladeira no ambiente de trabalho ou investir em uma lancheira térmica, que conserve a baixa temperatura.
Na hora de aquecer a marmita, verifique se o recipiente pode ser levado ao micro-ondas e lembre-se de que potes de plástico costumam liberar substâncias químicas tóxicas quando expostos ao calor.