Página Inicial Saúde ‘Me arrependi na hora’, diz paciente de dentista biológico – 24/07/2025 – Equilíbrio e Saúde

‘Me arrependi na hora’, diz paciente de dentista biológico – 24/07/2025 – Equilíbrio e Saúde

Publicado pela Redação

Foi ouvindo um podcast sobre medicina integrativa, há um ano, que a doutora em biologia Maria Lúcia Torres, 48, teve contato pela primeira vez com o termo “odontologia biológica”.

Após acompanhar o episódio de cerca de uma hora, a bióloga, que confiava nas indicações profissionais da médica endocrinologista que apresentava o programa, decidiu procurar um dentista que seguisse o protocolo biológico na sua cidade, Fortaleza, no Ceará. E ela encontrou.

“Estava encantada porque eu tinha alguns problemas que imaginei que pudessem ser resolvidos com os procedimentos da odontologia biológica”, diz Malu, como gosta de ser chamada.

O dentista sugeriu a extração dos amálgamas dos dentes —metal comumente utilizado em restaurações— e a troca por resinas. Nos dois dentes em que ela havia realizado, havia anos, tratamentos de canal, o profissional recomendou a extração. A conta, segundo ela, ficou em mais de R$ 7.000.

Durante a extração do primeiro dente, Malu diz que estranhou porque o procedimento demorava mais do que ela esperava. “Foram mais de duas horas e meia para tirar, e aí eu entendi que ele estava fixo porque era um dente ótimo”, diz.

A bióloga afirma que chegou a pedir para ver o dente durante a remoção. “Me arrependi no meio da extração porque vi que minha raiz estava boa, diferentemente dos dentes escuros que via esses profissionais compartilhando nas redes sociais”, completa.

Em vídeos divulgados nas plataformas, os profissionais intitulados como dentistas biológicos, ou mesmo dentistas integrativos, promovem práticas do tipo e afirmam que problemas como depressão, infertilidade e até cânceres podem estar relacionados com o uso de flúor, dentes com amálgama ou que passaram por procedimentos de endodontia (os chamados canais).

Os termos pouco claros da área, segundo Luiz Rodolfo May, especialista em periodontia que atua no combate às fake news na odontologia, facilitam que o público se confunda e confie nas técnicas difundidas por esses profissionais. O exemplo, chamado NICO (ou neuralgia induzida por cavitação osteonecrótica), é um desses problemas que se tornou popular entre os dentistas biológicos, mas que, no entanto, é uma condição rara.

“Quem tem NICO, tem dor. E é uma condição rara. Esses profissionais encontram qualquer coisinha no osso dental e usam esse diagnóstico, que é pouco claro e confuso”, diz May.

Uma das propostas indicadas na odontologia biológica após a extração é a implantação de um dente de zircônia, que é muito mais caro que os implantes convencionais. Malu, ao remover um dos dentes com canal, pretendia substituí-lo por um implante metálico, mas desistiu.

“Hoje meu osso ainda precisa regenerar para eu colocar o implante ideal. Eu tirei o canal para colocar um de porcelana, mas nem essa estrutura aguenta, e eu, que tanto fugi de um metal, vou precisar colocar um de titânio”, diz Malu. De acordo com ela, os implantes de zircônia ficariam em torno de R$ 10 mil.

Docente em odontologia e coordenador na Faculdade São Leopoldo Mandic, em São Paulo, Camilo Netto afirma que esses profissionais que vendem esse tipo de tratamento se aproveitam da lógica mercadológica para oferecer procedimentos mais caros que os convencionais. “Utilizam conceitos conhecidos e pressupostos verdadeiros para induzir a convenções falsas”, completa.

A especialidade odontologia biológica não existe e não é reconhecida pelo CFO (Conselho Federal de Odontologia). Segundo Netto, os profissionais que se dizem dentistas biológicos trabalham para convencer pacientes a se submeterem a procedimentos muitas vezes mutiladores. “Isso pode até colocar em risco a vida dessas pessoas”, diz.

Recentemente, o CFO apresentou uma denúncia à AGU (Advocacia-Geral da União) contra a odontologia biológica, que definiu como pseudociência. A autarquia afirma que o profissional que promove essa teoria fere o código de ética da profissão.

A prática não é reconhecida dentro das universidades. Professor da Faculdade de Odontologia da USP (Universidade de São Paulo) e da São Leopoldo Mandic, José Carlos Imparato explica que, além disso, o conceito defendido dentro da odontologia biológica é antigo.

“É como se a academia estivesse errada e eles estivessem certos porque vendem essa teoria como algo novo, mas na verdade são conceitos velhos de livros antigos e de escolas que nunca se provaram dentro da ciência. Até porque, se tivessem se provado, a gente estaria usando”, completa Imparato.

Atualmente, as especialidades reconhecidas pelo CFO são: acupuntura; cirurgia e traumatologia bucomaxilofaciais; dentística; DTM (disfunção temporomandibular) e dor orofacial; endodontia; estomatologia; harmonização orofacial; homeopatia; implantodontia; odontogeriatria; odontologia do esporte; odontologia do trabalho; odontologia hospitalar; odontologia legal; odontologia para pacientes com necessidades especiais; odontopediatria; ortodontia; ortopedia funcional dos maxilares; patologia oral e maxilofacial; periodontia; prótese bucomaxilofacial; prótese dentária; radiologia odontológica e imaginologia; e saúde coletiva.

A autarquia sugere ainda que as denúncias contra profissionais intitulados como dentistas biológicos seja feita aos conselhos regionais de odontologia de acordo com o estado de atuação do dentista.

Em nota, o CRO-CE (Conselho Regional de Odontologia do Ceará) diz acompanhar com atenção as discussões em torno da chamada odontologia biológica e que é importante esclarecer que, embora divulgada por alguns profissionais, não é reconhecida como especialidade

“Todo tratamento odontológico deve estar baseado em evidências científicas consolidadas, seguindo as diretrizes estabelecidas pelo CFO e pelos órgãos de saúde competentes. O CRO-CE reforça seu compromisso com a ética, a ciência e a segurança dos pacientes, alertando que práticas sem respaldo técnico ou científico podem representar riscos à saúde da população”, informa o comunicado.

O conselho cearense diz ainda que casos suspeitos de exercício irregular da profissão ou de práticas não reconhecidas podem ser denunciados de forma sigilosa pelos canais oficiais do CRO-CE, disponíveis no site cro-ce.org.br.

Em nota, o CROSP (Conselho Regional de Odontologia de São Paulo) reitera que a odontologia biológica não é uma especialidade reconhecida e considera grave a prática de divulgação de técnicas e abordagens que utilizam termos como “biológica”, “natural” ou “alternativa” para atrair pacientes sem o devido embasamento técnico, ético e legal.

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