A minha história vocês estão cansados de saber: parei de beber há alguns anos e foi uma das decisões mais difíceis —e mais importantes— da minha vida. Sabia que não teria volta, levei tempo até admitir que o álcool não poderia mais fazer parte da minha vida. Foram anos me perdendo e o álcool me matando. Não foi uma opção. Era parar ou o álcool acabaria comigo.
Esses dias, meu irmão veio me contar que parou de beber também. Mas por um motivo que eu jamais teria imaginado: labirinte. Começou com tonturas leves, depois aquele incômodo constante e náuseas. E o álcool agrava tudo isso. Ele então teve que escolher entre continuar bebendo ou melhorar consideravelmente sua condição. Não tinha necessariamente a ver com o álcool, mas sim com uma vontade de não sentir mais os efeitos da doença.
Ele decidiu seguir à risca as orientações da otorrino: reduzir —ou idealmente cortar— o álcool, o café, o chocolate, todos os alimentos gordurosos, os refrigerantes… Mas ele sabia que o mais difícil seria abrir mão da bebida. Sempre foi festeiro. E todo mundo que já viveu isso sabe: festa sem álcool é outro clima.
Mas ele não me contou como quem busca apoio. Veio como quem compartilha um achado. Falou dos primeiros dias sem álcool como se estivesse redescobrindo o mundo: o sono melhorou, a cabeça clareou, as tonturas diminuíram. Disse que a ansiedade, que ele nem percebia que era tão forte, agora quase não aparecia mais. Sem contar as manhãs, que ficaram muito calmas, sem ressacas.
Enquanto ele falava, eu escutava com uma espécie de espelho nas mãos. Me vi anos atrás, no começo da minha jornada, tateando a sobriedade. Mas ver isso acontecer com ele —que sempre bebia compulsivamente mas que nunca se afundou como eu— foi algo novo.
É curioso. Eu parei de beber porque estava completamente doente da cabeça. Ele parou porque o corpo pediu socorro. Motivos distintos, melhoras parecidas.
É muito legal poder falar disso com honestidade. Ele me ouve de um jeito novo. Nunca precisei convencê-lo a parar. Nunca julguei. Sabia que cada um tem seu tempo, seu caminho. E agora que ele também não está bebendo, sinto como se algo dentro da nossa relação tivesse amadurecido. Um novo ponto de encontro —sóbrios, conscientes, limpos.
Hoje, quando nos sentamos juntos, é água, chá ou suco. Mas as conversas ganharam profundidade. Não precisamos mais do álcool para rir ou desabafar. E talvez essa seja uma das maiores vantagens da sobriedade: perceber que tudo aquilo que a gente buscava no copo sempre esteve aqui. Conversar sem ter a bebida como ponto de encontro é muito bom.
Eu sigo firme há alguns anos. Ele está começando agora. E ver isso acontecer com ele me dá um orgulho difícil de descrever. Não porque ele “seguiu meus passos”, mas porque ele está, de uma certa forma, do meu lado.
No fim das contas, não importa como ou por que alguém decide parar de beber. O que importa é o que vem depois: a chance de se encontrar, de respirar fundo, de viver mais leve.
E agora, eu e meu irmão vivemos assim: com os pés no chão, o coração mais tranquilo —e o copo cheio de tudo o que realmente importa.
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