Cerca de 314 famílias de mortos ou desaparecidos durante a ditadura militar devem receber, no início de maio, uma nova certidão de óbito. A expectativa é de que o documento atualizado traga data, local, estado civil e quantidade de filhos.
Destaque para o registro da causa da morte como não natural, violenta, causada por perseguição política do estado brasileiro.
O ajuste acontece após o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovar, no fim do ano passado, uma resolução que determinou aos cartórios de todo o país a uniformização dessa documentação. A demanda veio do Ministério dos Direitos Humanos, que pretende acelerar processos de indenização.
A partir da nova regra, as lavraturas e retificações dos assentos de óbitos passam a ser baseadas nas informações do Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), sistematizadas na declaração da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP).
“Nós fazíamos isso de maneira quase artesanal e sempre com essa resistência por parte dos cartórios, porque cada cartório é uma realidade localizado em cada cidade do Brasil. Com essa determinação, os cartórios estão fazendo esse fluxo diretamente para o CNJ que, por sua vez, vai entregar os documentos para a comissão”, explica a procuradora da República Eugênia Gonzaga, presidente da Comissão vinculada ao Ministério dos Direitos Humanos.
Em 2014, para conseguir a retificação desse documento, a família tinha que entrar com uma ação de retificação de óbito — o que era dispendioso, difícil e acabava gerando decisões divergentes.
Em 2016, houve uma alteração geral, não só para desaparecidos políticos, permitindo que houvesse a retificação administrativa desse assento de óbito, sem precisar entrar com uma decisão judicial, sem advogado, desde que a pessoa tivesse provas daquilo. Mesmo assim, os relatos no documento eram restritos.
No último dia 4 de abril, foram expedidos para os respectivos cartórios 314 ofícios já determinando as retificações, com os óbitos identificados e onde foram registrados. Outros 110 estão na fila. Os cartórios terão 30 dias para fazer a atualização e encaminhar para o operador nacional.
“Assim que os cartórios nos devolver os documentos nós temos que conferir um por um e depois esses documentos serão impressos para entrega numa ocasião solene para as famílias”, completa Eugênia.
Para o juiz auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça, Fernando Cury, a resolução da celeridade para a correção de fatos negligenciados por anos.
“Aquelas pessoas que não tiveram essa declaração lançada na certidão de óbito de seus familiares agora não precisam mais demandar judicialmente para esse reconhecimento, tendo em vista que o estado brasileiro fez um estudo prévio e, por conta disso, essa informação vai ser incluída no registro de óbito dessas pessoas”, destacou.
Ou seja, a partir do momento em que o Estado registra causa da morte em certidão, fica pressuposto que aquela pessoa foi morta por ações daquela época.
“Isso facilita as famílias em suas respectivas demandas buscando eventuais reparações a não terem que debruçar e fazer a comprovação de fatos que aconteceram anos atrás e muitas vezes são praticamente impossíveis de serem provados a buscarem e conseguirem essa reparação que o estado brasileiro tem o dever de fazer com as famílias das vítimas daquela época”, concluiu.