Na década de 1930, um mosquito africano, extremamente eficiente na transmissão da malária, invadiu o Nordeste brasileiro. O ponto de entrada foi o Rio Grande do Norte. Como não havia vigilância entomológica, o mosquito continuou se espalhando de forma silenciosa pelo interior do estado até chegar ao Ceará.
Os casos de malária aumentaram ao longo dos anos até que, em 1938, cerca de 50 mil foram registrados no Rio Grande do Norte, o que representava cerca de 20% da população do estado. Em alguns municípios, mais de 90% da população foi infectada.
O número exato de mortes é incerto. A estimativa é que a taxa de mortalidade foi de 20% a 25%. No Ceará, somente na cidade de Russas, no Vale do Jaguaribe, cerca de 14 mil pessoas morreram devido à malária entre janeiro e agosto de 1938. O normal eram cerca de 200 mortes anuais.
Em 1938, com o apoio da Fundação Rockefeller, uma campanha para eliminação do mosquito foi coordenada pelo epidemiologista Fred Soper.
O trabalho incluía o diagnóstico precoce e tratamento rápido, eliminação de criadouros, captura domiciliar de mosquitos, fumigação mensal e pulverização de veículos que saiam e entravam nas áreas endêmicas. Após 14 meses de trabalho, o mosquito foi eliminado do Brasil.
Esse sucesso inspirou a eliminação de outro mosquito invasor, o Aedes Aegypti, que era o responsável pela transmissão da febre amarela urbana.
Novamente, com o apoio da Fundação Rockefeller e de Fred Soper, o Brasil eliminou a febre amarela urbana em 1942 e, em 1958, o Aedes Aegypti havia sido eliminado.
Em meados dos anos 1960, o mosquito também havia sido eliminado de grande parte das Américas.
O mosquito foi reintroduzido no Brasil, provavelmente no final dos anos 1960. É o transmissor da dengue, chikungunya e zika.
Esses dois exemplos ressaltam que o meio ambiente é receptivo aos vetores e que a falta de vigilância entomológica facilita o espalhamento silencioso de espécies invasoras, até que um alerta seja gerado devido a surtos.
Um novo perigo se anuncia em áreas endêmicas de malária. O Anopheles stephensi, um vetor asiático da malária, está se expandindo pela África, sendo responsável por surtos e aumento da malária urbana.
Detectado pela primeira vez na África em Djibouti em 2012, progressivamente se espalhou, chegando a Etiópia, Sudão, Somália, Eritreia, Iêmen, Quênia, Gana e Nigéria.
Esse mosquito difere de outras espécies de Anopheles devido a preferência por recipientes artificiais de armazenamento de água que são comuns em ambientes urbanos, tais como pneus abandonados, caixas d’água, cisternas, poços, calhas, jarros e outros utensílios usados para armazenamento de água perto de moradias. Ou seja, criadouros típicos do Aedes Aegypti.
Condições ambientais atuais permitem a sobrevivência desse vetor em 13% da superfície da Terra (cerca de 40% da população global). No Brasil, 8,7% da superfície do país é receptiva ao vetor, podendo chegar a 45,3% em 2100 devido a mudanças climáticas.
No momento, o Brasil não conta com vigilância entomológica sistemática que permita a detecção rápida de mosquitos invasores.
Essa fragilidade, como mostra a história, pode ter um custo muito grande para a sociedade.
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