A inclusão de mulheres negras no mercado de beleza, que avançava lentamente desde os anos 2000, se intensificou nos últimos cinco anos. Se outrora era difícil encontrar produtos para cuidados com cabelos crespos e cacheados, bases para a pele negra ou protetores solares que não ficassem esbranquiçados no rosto, hoje há uma infinidade de opções disponível no mercado.
Segundo representantes de grandes grupos do setor de beleza no Brasil, essa mudança é resultado de um movimento social protagonizado especialmente por mulheres negras, que hoje ditam como querem usar seus cabelos, que tipo de produtos desejam e quais resultados esperam.
Movimentos nacionais de aceitação dos cabelos naturais e incentivo à transição capilar ganharam tração com o Black Lives Matter, iniciado nos Estados Unidos em 2020. “É uma mudança globalizada. Vejo iniciativas globais mudando tendências de consumo aqui, e a gente respondendo a elas também globalmente”, afirma Wagner Azambuja, gerente de pesquisa e desenvolvimento na Unilever Brasil.
Para ele, essa aceleração foi estimulada ainda pelo mercado de influência e pela ampliação da diversidade na mídia, que passou a mostrar diferentes tipos de beleza.
“Respondemos a uma demanda que surgiu quando as pessoas descobriam que podiam fazer muito mais com seus cabelos, seu estilo e como se apresentam. Vimos essas pessoas querendo ficar parecidas com quem se identificam e percebemos que nossos produtos podiam ajudá-las a deixar o cabelo como desejavam”, afirma. O grupo é responsável por marcas como Dove, Seda e Tresemmé.
Em 1997, a Seda lançou a linha Melanina para tratar cabelos escuros. Na época, a ideia difundida era que cabelos com textura deviam ser domados ou controlados pois eram “rebeldes”, e pessoas com cabelos crespos ou cacheados eram estimuladas a alisar.
Nos anos 2000, a marca colocou no mercado sua primeira linha exclusiva para cabelos crespos, mas foi só em 2017 que lançou a Seda Boom, exclusiva para fios com curvaturas e que oferece hoje cerca de vinte categorias de produtos para a rotina de cuidado capilar.
Um dos objetivos do Grupo Boticário é garantir variedade de opções pensando em todas as curvaturas de cabelo, de acordo com Clarice Sasson, diretora da categoria de banho e cabelos do setor de pesquisa e desenvolvimento. “Nossos pesquisadores fazem todas essas trilhas de desenvolvimento da ciência consumidora para entender manuseio, aplicabilidade e entendimento sobre o produto. Fazemos uma co-construção entre quem faz e quem consome”, afirma.
Comunidades formadas por consumidoras, como a Beleza Livre, participam dessa construção, assim como personalidades digitais.
De acordo com Rebecca Graciolli, coordenadora de performance de produtos do Grupo Boticário, há cerca de dez anos uma espécie de Censo mapeando características da população é realizado pela empresa para identificar tonalidades de pele, tipos de cabelo e características dos consumidores em toda a extensão territorial.
“Precisamos entender o que faz sentido trazer para nossa cartela de cores de maquiagem, por exemplo, para garantir representatividade. É assim que conseguimos entender se o nosso produto está assertivo para a população.”
De acordo com representantes do Grupo L’Oréal, o Brasil serve de laboratório para os outros países. Somos o quarto maior país na categoria capilar, e 48% das brasileiras têm uma rotina com pelo menos 3 passos, segundo pesquisas realizadas pelo grupo.
“Atender toda a diversidade de tom de pele, tipo de cabelo e a pluralidade do Brasil é um ponto de partida. Num país onde 56% da população se autodeclara preta ou parda, pensamos nossas ações a partir de um olhar afrocentrado”, afirma Eduardo Brito Paiva, diretor de diversidade, equidade e inclusão do Grupo L’Oréal no Brasil.
O grupo mapeou um aumento de 23% no desejo por cabelos naturais de 2018 a 2022. Segundo Paiva, esses estudos de comportamento social e escuta dos consumidora direcionam as apostas da companhia para o desenvolvimento de produtos.
Pesquisas e testes de eficiência também mudaram. Dispositivos foram criados para simular situações como o vento e a umidade nos cabelos e até o atrito do travesseiro nos cachos —é o caso de L’Oréal e do Grupo Boticário, em São José dos Pinhais (PR).
Nos laboratórios de teste uso, uma espécie de salão de beleza dentro dos centros de pesquisa, tipos de finalização de cabelo usados por mulheres negras são mapeados para teste de eficiência do produto. No centro da L’Oréal no Rio de Janeiro, uma área externa foi providenciada para respeitar a forma de secagem mais comum entre cacheadas e crespas, sem secador.
A companhia francesa tem centros de pesquisa em países como Estados Unidos, Japão, índia e África do Sul, além do Brasil, e estima que cerca de 66% da população mundial terá cabelo ondulado ou cacheado até 2040, enquanto 43% terá pele rica em melanina.
“Não temos um número de linhas a serem lançadas, mas existe uma intencionalidade em pensar em soluções que podem ser atendidas por linhas transversais ou específicas”, diz Paiva.
Um exemplo de linha exclusiva para cabelos com curvatura é o lançamento Vichy Dercos Shampoo Anticaspa Cachos & Crespos, desenvolvido no laboratório francês em co-criação com o Brasil para atender as necessidades regionais. O produto tem textura em gel e embalagem com bico aplicador que facilita a aplicação direto na raiz para facilitar o uso em tranças ou dreads. Já o Elseve Bond Repair, linha de tratamento para cabelos danificados, é foi testado em todos os tipos de cabelo.
A preocupação com as chamadas linhas inclusivas, que atendem todos os tipos de pele e cabelo, também é compartilhada pela Natura. “Consumidores pretos e pardos são grande parcela do nosso público, e produtos que atendam às necessidades específicas dessa demanda são fundamentais”, afirma Tatiana Ponce, diretora de marketing e Head de Inovação de Natura e Avon.
No caso de produtos como os protetores solares, em que o principal desafio é evitar a formação de um resíduo esbranquiçado no rosto, as empresas têm investido em testes inclusivos com representantes de diversos tons de pele. Promessas como “não deixar resíduo branco” e “não esfarelar” são validados com um índice de concordância superior a 98% em todos os tons de pele, no caso da Natura.
Outro exemplo é o projeto Dandara, que mapeou informações sobre o bem-estar de mulheres negras com o objetivo de gerar indicadores para a Natura e identificar oportunidades de atuação. O resultado foi a criação da linha Tododia Jambo Rosa e Flor de Caju, para peles pretas e pardas. Além de oferecer hidratação, a linha contém ativos que ajudam na uniformização de manchas escuras no corpo —comuns em pessoas com mais melanina.