Página Inicial Saúde Mulheres muçulmanas e a moda fitness modesta – 01/07/2025 – Equilíbrio

Mulheres muçulmanas e a moda fitness modesta – 01/07/2025 – Equilíbrio

Publicado pela Redação

A moda fitness no Brasil e no mundo é dominada por tops justos, leggings coladas e pele à mostra. Contudo, existe um grupo crescente de mulheres que começam a desafiar o que se convencionou como “roupa de academia”, abrindo espaço para uma nova estética: a moda fitness modesta —peças que cubram mais e que não marquem o corpo e que sejam confortáveis.

A influenciadora muçulmana Carima Orra ganhou visibilidade na internet há cerca de sete anos ao mostrar como adaptar roupas comuns em composições modestas, atraindo marcas e seguidores. Porém, quando começou a treinar regularmente há três anos, enfrentou dificuldades para fazer o mesmo com as roupas para praticar atividade física.

“Na academia, tem que ter funcionalidade e frescor, e isso era muito difícil com as roupas disponíveis no Brasil”, afirma Orra. As peças que encontrava não ofereciam conforto e adequação —requisitos básicos para roupas largas que não marquem o corpo e cubram braços, pernas e cabelo com lenços.

Diante dessa lacuna no mercado, ela lançou a marca Doha Modestwear em abril deste ano, com foco em moda fitness modesta. Sua proposta busca equilibrar conforto, elegância e cobertura adequada.

Os questionamentos mais frequentes que Orra recebe em suas redes sociais são sobre como consegue treinar totalmente coberta e se não sente calor. A resposta está na escolha criteriosa de tecidos apropriados que absorvem umidade e permitem ventilação adequada.

“A roupa protege do calor e dos raios solares, influenciando positivamente no rendimento do treino”, afirma a influenciadora e empresária.

Orra também desenvolveu um hijab —lenço que cobre o cabelo e o pescoço da mulher, mas deixa seu rosto visível— específico para esportes, que se fixa adequadamente no rosto. “O hijab tradicional atrapalhava muito na corrida. Ele vinha para frente e me incomodava. Agora criei um que encaixa perfeitamente e não causa desconforto.”

Além das questões práticas, existe falta de informação e preconceito em relação à vestimenta e cultura islâmica. Mariam Chami, empresária e influenciadora, relata que ao compartilhar sua volta à rotina de atividades físicas nas redes sociais, surgiram julgamentos disfarçados de questionamentos sobre suas roupas largas: “Como você aguenta? Não morre de calor?”.

Como resposta, Chami criou no YouTube a série “Meu Hijab não me limita”, em que aparece praticando crossfit, boxe, balé e beach tennis. “As pessoas acham que as muçulmanas são oprimidas e limitadas, que não podemos estudar, dirigir, falar ou respirar. Esse preconceito surge da falta de informação”, explica.

Para Francirosy Campos Barbosa, antropóloga e professora do Departamento de Psicologia Social da USP Universidade de São Paulo), campus Ribeirão Preto, há muito desconhecimento sobre o Islã, especialmente sobre vestimentas. “As pessoas associam liberdade com menos roupa. Acreditam que estar de biquíni significa liberdade, mas não conseguem entender que usar abaya [túnica] e lenço também é uma escolha livre das mulheres.”

Chami conta que treina também de burkini —roupa para esportes aquáticos— mas prefere roupas mais largas para maior conforto. Já a influenciadora Fabíola Oliveira enfrentou desafios similares ao se converter ao Islã. “Quando comecei a usar hiyab, tive que adaptar totalmente as roupas para treinar”, diz a influenciadora, que praticava judô desde criança e retomou o esporte em 2024, por influência do filho.

Oliveira adaptou roupas com tecidos apropriados, encomendando peças sob medida como maiôs e bodies de manga longa. Atualmente usa roupas de proteção solar, leggings e shorts largos por cima, adaptando-se conforme necessário. “Não é um obstáculo estar coberta por questões religiosas e fazer exercícios”, ressalta. Por falta de opções, ela chegou a fazer uma parceria com uma marca de collant de bailarina criando um lenço —mas a peça não está mais sendo vendida.

Um mercado em expansão

Poucas marcas no Brasil oferecem trajes modestos para atividades físicas, mesmo com uma população muçulmana estimada em centenas de milhares de pessoas, segundo a antropóloga. Embora o Islã seja a religião que mais cresce no mundo, as marcas ainda não reconheceram esse potencial de consumo.

Barbosa diz que o mercado de moda fitness modesta está emergindo no Brasil, mas ainda carece de força. “O interesse existe, o que falta é atingir um público maior”, afirma a professora.

Ela exemplifica com o caso que ouviu de um pai muçulmano cuja filha criança pratica natação e está evoluindo bem, mas enfrentará dificuldades para encontrar roupas adequadas para competições caso decida usar hijab e trajes diferentes dos convencionais.

O movimento ainda é lento entre as marcas esportivas. Um exemplo internacional é a Gymshark, que criou uma colaboração com a influenciadora fitness Leana Deeb após ela mudar seu estilo de vida, adotar roupas modestas e inspirar mulheres muçulmanas a treinarem.

“As marcas no Brasil ainda não perceberam que existe uma geração muçulmana contemporânea, conectada, que quer se exercitar sem abrir mão da fé”, observa Orra. “Ou as marcas se adaptam ou começarão a perder dinheiro.”

Beatriz Kehdy, 44 anos, enfrentou desafios similares ao se converter ao Islã há mais de 20 anos. Não se identificava com roupas pretas tradicionais nem encontrava tecidos confortáveis para o clima brasileiro. Por isso, criou em 2018 a marca ICovered, desenvolvendo peças para mulheres em processo de transição —religiosa, estética ou corporal. “Algumas pessoas não conseguem trocar o guarda-roupa inteiro de uma vez. Pensamos em roupas que se adaptam a esse momento”, explica.

A ICovered oferece produtos variados: roupas casuais, hijabs e peças fitness com tecidos tecnológicos como poliamida e dry fit, garantindo respirabilidade, conforto e proteção UV.

Kehdy diz acreditar que o avanço do setor depende de colaboração entre marcas. “Não competimos entre nós, nos fortalecemos. Este trabalho é sobre visibilidade, identidade e pertencimento.”

Marcas como a Mag Halat, criada em 2021, conseguem atender não apenas muçulmanas, mas mulheres de outras religiões que buscam roupas largas e cobertas para o cotidiano ou exercícios. “A moda modesta não é exclusiva para muçulmanas. Muitas mulheres querem conforto, cobertura e estilo por diversas razões”, explica Kehdy.

As empreendedoras concordam que a moda modesta não é um nicho, mas uma demanda reprimida no Brasil. Mais da metade de suas seguidoras são mulheres não muçulmanas interessadas nas alternativas confortáveis apresentadas. Orra revela que 70% das clientes da Doha não seguem a religião islâmica.

“Moda modesta é sobre escolha e conforto, não apenas religião”, conclui Orra, sintetizando um movimento que vai além de fronteiras religiosas e culturais para atender a uma necessidade de conforto e adequação no universo fitness.

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