A transição da infância para a vida adulta, marcada pelo período que conhecemos como adolescência, envolve importantes processos psíquicos, acompanhados por intensas transformações no corpo, pela iniciação sexual, e por alterações nas dinâmicas com os pares e familiares. Não é pouca coisa.
Quais os principais desafios que os jovens enfrentam ao ingressar nessa etapa da vida? Para responder a esta questão é preciso considerar as determinações geopolíticas e os marcadores de classe, raça e gênero que incidem e marcam as vivências dos indivíduos.
Atualmente, os jovens enfrentam os impactos do excesso de exposição às redes sociais e da hiperconectividade, o que reduz o tempo disponível para processarem suas vivências. Para os adolescentes, essa superexposição pode causar intensa angústia, atitudes impulsivas e até colocá-los em situações de risco.
Esse período de transição caracteriza-se por uma intensa vulnerabilidade psíquica. A psicanalista Françoise Dolto utilizava a metáfora da troca de carapaça das lagostas para evidenciar a delicadeza desse processo: à medida que crescem e a estrutura anterior se mostra insuficiente, elas a abandonam, refugiando-se sob as pedras até que a nova carapaça esteja suficientemente rígida para protegê-las. O jovem se depara com um corpo transformado e, a princípio, estranho, do qual ainda não se apropriou.
Com a entrada na adolescência, a aproximação com o grupo se intensifica, e as amizades assumem um papel fundamental na construção da identidade. Ao mesmo tempo, há um processo de desidealização dos pais e familiares. O adolescente percebe que há perguntas que aqueles que até então lhe serviam de referência e alicerce não sabem responder, que não há uma cartilha para a entrada e condução da vida adulta, das relações afetivas e sexuais: os adultos se viram como podem.
Para realizar esse necessário afastamento, o jovem muitas vezes amplifica as diferenças, transformando os adultos que o cercam em figuras velhas e ultrapassadas. Os pais, antes objeto de admiração, são agora criticados e descartados. Nesse momento, o principal desafio para os pais é suportar esse movimento de afastamento dos filhos e persistir para além dele. Porque os adolescentes já não demandam os cuidados que lhes eram dispensados na infância, mas ainda necessitam de cuidados, embora não se saiba bem, de um lado ou de outro, de que cuidados ainda precisam.
A tarefa do jovem neste momento é separar-se. Para tanto, é preciso saber que há para onde voltar, e é preciso também contar com a possibilidade de antecipar um futuro, projetar-se num futuro.
Os pais precisam também encarar o fato de que as decisões do filho raramente coincidem com os planos que haviam traçado para ele. Cabe-lhes, no entanto, um papel fundamental: o de reconhecer essas decisões, que revelam que aquele filho, antes tão familiar, começa a se tornar, em certa medida, um estrangeiro.
A adolescência inaugura uma fase em que o jovem é convocado a responder, a assumir uma posição no laço social. Para isso conta com as experiências que foi reunindo ao longo da infância, mas elas são insuficientes para dar conta do que se passa em seu corpo e para antecipar um saber-como-fazer em termos de suas experimentações sexuais.
Para fortalecer-se diante de tantas experiências de primeiras vezes, os adolescentes precisam fazer um trabalho de musculação, como diz a psicanalista Diana Corso. Assim como investem na academia em um corpo musculoso e “definido”, é necessário que invistam também em uma musculação do próprio discurso, que exercitem e experienciem falar o que pensam, argumentar, posicionar-se para além do campo familiar. Esse exercício de fortalecimento contribui para aumento da confiança em si mesmos.
Se na adolescência o jovem precisa fazer uma travessia, sem garantias do que vai encontrar do outro lado, arriscando-se em águas desconhecidas, ele pode contar neste percurso com alguns respiros: a família, os professores, o conhecimento, as amizades, a possibilidade de antecipar um futuro projeto.
Vivemos uma época em que sustentar um projeto de futuro para as novas gerações torna-se cada vez mais desafiador. Por isso, a possibilidade de os adolescentes se projetarem no futuro ultrapassa o âmbito familiar e dos adultos próximos —é uma questão que diz respeito a toda a sociedade.