O MPF (Ministério Público Federal), por meio da Comissão de Saúde da Câmara do Consumidor e da Ordem Econômica, publicou uma nota técnica com críticas à proposta da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) de criação de um novo modelo de plano de saúde.
A ideia é permitir a oferta de planos com cobertura restrita a consultas eletivas e exames, excluindo internações, atendimentos de urgência e terapias. Segundo o MPF, a proposta apresenta falhas significativas que precisam ser corrigidas antes que o produto seja disponibilizado no mercado.
A comissão do MPF aponta que não há estudos para dimensionar o impacto dos planos populares para aqueles que já têm planos de saúde tradicionais. É possível, segundo o órgãoassim, que algumas pessoas migrem dos convênios completos para os restritos, sobrecarregando ainda mais o SUS (Sistema Único de Saúde) em casos de necessidade de atendimento mais complexo.
A procuradoria avalia ainda a possibilidade de que as empresas passem a oferecer modalidades populares para seus funcionários em razão do custo menor. “Esse movimento pode levar a um rebaixamento geral da qualidade dos serviços no sistema de saúde como um todo”, aponta a nota técnica.
Em nota, a ANS informou que recebeu a nota técnica do MPF na última quinta-feira (1º). “O documento foi encaminhado para análise interna da ANS, sem haver, neste momento, previsão para possíveis deliberações pela reguladora”, informa a agência em nota.
A agência diz que segue com as análises das contribuições recebidas pela consulta e pela audiência pública e que a tomada de decisão da diretoria colegiada levará em consideração todas as manifestações recebidas.
COMO DEVE FUNCIONAR?
Os novos planos devem ser vendidos por menos de R$ 100, mas, em casos de emergência, o consumidor continuará dependente do SUS. Pela proposta, a ANS não definirá um limite para o reajuste dos preços desse tipo de plano de saúde, como ocorre hoje com os convênios individuais e familiares.
Segundo a agência, a nova modalidade deve ampliar o acesso dos brasileiros aos planos de saúde, especialmente aqueles que não conseguem arcar com os custos dos convênios tradicionais.
A modalidade passará por um período experimental de dois anos. De acordo com a ANS, os dados dos consumidores do plano estarão integrados ao SUS Digital para que as informações o paciente possam ser concentradas em uma única plataforma. Os consumidores também terão acesso a exames de baixa complexidade.
Com o fim do período de experimentação, a ANS deverá definir se o modelo será mantido ou encerrado.
FALTA DE ESTUDOS?
Segundo o MPF, entre os principais problemas da modalidade proposta está a ausência de uma Análise de Impacto Regulatório para avaliar as repercussões e o alcance do experimento. A procuradoria destaca que, sem essa análise, não seria possível mensurar adequadamente os efeitos da medida, o que compromete a proteção dos direitos dos consumidores.
O MPF avalia que a operação desses planos implicaria flexibilizar regras relativas a temas sensíveis, como cobertura assistencial, reajustes de mensalidades, coparticipação, portabilidade, entre outros.
Segundo a nota técnica, a modalidade não está prevista na lei que regulamenta os planos de saúde e, por isso, não deveria ser comercializada como tal. Nesse contexto, o MPF sugere que a ANS elabore um regramento distinto e provisório para tratar dos agentes regulados, dos regimes de oferta e contratação, das coberturas oferecidas, das garantias e do capital regulatório, das nomenclaturas a serem utilizadas no mercado e demais componentes dos novos planos.
E O SUS?
Por meio da nota técnica, a comissão também criticou a falta de participação de representantes do Ministério da Saúde e do SUS nas discussões. A proposta da ANS prevê que a modalidade deve beneficiar cerca de 8 milhões de brasileiros, o que desafogaria os setores de atenção primária e secundária do SUS.
Contudo, especialistas avaliam que o novo plano pode comprometer a coordenação e a integralidade do cuidado para os pacientes, que transitariam entre o setor privado com cobertura limitada e o SUS para atendimento de necessidades não cobertas pelo plano, gerando novas filas para serviços de média e alta complexidade.
De acordo com o MPF, um estudo técnico adequado poderia mapear também os possíveis riscos para a concorrência na criação do produto. Atualmente, o mercado de saúde suplementar no Brasil atende a 52 milhões de pessoas. Para o ministério, a proposta da ANS deve, portanto, prever regras claras para as empresas que participarão do experimento, incluindo possibilidades de saída e os impactos para os consumidores que aderirem à modalidade experimental.
“O (re)estudo aprofundado poderá conferir uma proteção mais adequada aos 52 milhões de brasileiros que atualmente possuem planos de saúde, bem como demonstrará como a interconexão com o SUS atenderá ao interesse público e à eficiência”, afirma o documento.