O governo federal dos Estados Unidos planeja desenvolver uma nova definição para os alimentos ultraprocessados —grupo que comporta lanches, refeições e bebidas que se tornaram a base da dieta norte-americana.
Pesquisadores de nutrição geralmente definem alimentos ultraprocessados como produtos fabricados industrialmente que incluem ingredientes não disponíveis em cozinhas convencionais, como xarope de milho rico em frutose ou óleos hidrogenados. Os produtos também costumam conter aromatizantes, adoçantes e emulsificantes artificiais, o que os torna atraentes para os consumidores e pode prolongar sua validade.
Ao elaborar sua própria definição, o governo dos EUA poderia examinar os produtos químicos e aditivos presentes nos alimentos, o número de ingredientes ou o conteúdo nutricional geral. Essa descrição poderia então ser usada para moldar a política de merenda escolar, regular os alimentos disponíveis por meio de serviços federais como o Programa de Assistência Nutricional Suplementar ou fazer recomendações sobre a limitação do consumo de alimentos ultraprocessados nas diretrizes alimentares dos EUA.
A Food and Drug Administration (FDA, órgão correspondente à Anvisa nos EUA), que lidera o esforço em colaboração com o Departamento de Agricultura do país e outras agências, planeja solicitar comentários públicos antes de definir uma definição nos próximos meses.
Comissário da FDA, Marty Makary diz esperar que a definição encoraje empresas a rotularem os alimentos como “não ultraprocessados” para atrair os consumidores, de forma semelhante à forma como os fabricantes de alimentos comercializam seus produtos como livres de açúcares adicionados.
“Não vemos os alimentos ultraprocessados como alimentos a serem proibidos”, diz ele. “Nós os vemos como alimentos a serem definidos para que os mercados possam competir com base na saúde.”
A ideia de que os consumidores podem se esforçar para evitar esses itens reflete a crescente preocupação com os potenciais malefícios dos alimentos ultraprocessados, que incluem muitos cereais matinais, macarrão instantâneo, barras de proteína, shakes substitutos de refeição, iogurtes saborizados, cachorros-quentes e muito mais. Cientistas têm, cada vez mais, associado industrializados a problemas de saúde, como diabetes tipo 2, alguns tipos de câncer e problemas cardíacos e gastrointestinais.
Kyle Diamantas, vice-comissário da divisão de alimentos da FDA, diz que havia algumas “áreas óbvias” que a agência consideraria ao elaborar sua definição, incluindo corantes sintéticos, emulsificantes e conservantes.
“Não temos em nossas cozinhas domésticas esses novos ingredientes inovadores que ajudam um Twinkie a se manter na prateleira por seis anos ou mais”, diz Diamantas. Ele também sugere que uma definição padrão de alimentos ultraprocessados possa ser usada para regulamentar as refeições servidas a militares, em prisões e em hospitais de veteranos.
O governo dos EUA provavelmente enfrentará resistência de alguns setores da indústria alimentícia —aqueles que dependem de conservantes e ingredientes artificiais para produzir alimentos baratos e práticos em grande escala.
Qualquer definição apresentada pelo governo seria “fortemente contestada” pela indústria alimentícia, afirma Marion Nestle, professora emérita de nutrição, estudos alimentares e saúde pública na Universidade de Nova York.
Ao definir alimentos ultraprocessados, o governo também abordará questões que têm dividido especialistas em nutrição e confundido os consumidores: carnes e leites de origem vegetal pertencem à mesma categoria que refrigerantes e barras de chocolate? E todos os industrializados são inerentemente prejudiciais à saúde? Alguns, como diversos iogurtes, pães e cereais integrais, contêm nutrientes valiosos e têm sido associados a resultados saudáveis.
O termo amplo pode “demonizar” alimentos que não necessariamente prejudicam os consumidores, afirma Maya Vadiveloo, professora associada de nutrição na Universidade de Rhode Island.
A iniciativa federal segue esforços recentes em alguns estados norte-americanos para restringir alimentos ultraprocessados vendidos e servidos em escolas. No Arizona, os legisladores definiram como industrializados apenas aqueles com certos aditivos alimentares, como corantes artificiais. Mas os aditivos podem ser apenas uma parte do que torna certos alimentos ultraprocessados prejudiciais à saúde, explica Brenda Davy, professora de nutrição na Virginia Tech —e se a definição federal seguir o exemplo do Arizona, provavelmente deixará de incluir um grande número de ultraprocessados, segundo ela, como um cereal rico em açúcar que não usa certos corantes alimentares.
“Se o foco for muito restrito, a melhoria na saúde poderá ser limitada”, completa a especialista.
Ainda assim, uma definição federal seria um “grande passo à frente”, diz Nestlé. Poderia abrir caminho para novos tipos de rótulos de advertência ou para que o governo regulasse se os fabricantes de alimentos poderiam continuar a comercializar alimentos ultraprocessados para crianças, afirma.
“Tudo isso está em jogo se houver uma definição”, diz ela. E acrescenta: “Importa muito.”