Página Inicial Saúde O SUS é subfinanciado? – 11/07/2025 – Saúde em Público

O SUS é subfinanciado? – 11/07/2025 – Saúde em Público

Publicado pela Redação

Uma das principais questões apontadas no debate público como causa das dificuldades da prestação de serviços do nosso sistema de saúde é o subfinanciamento público. Essa é, de fato, uma carência fundamental. No entanto, não podemos achar que apenas o aumento do financiamento será capaz, sozinho, de garantir o direito à saúde conforme definido pela Constituição.

Há um claro subfinanciamento da saúde no setor público, mas, dada a restrição fiscal e as inúmeras demandas da sociedade em diversas áreas de políticas públicas, é essencial que esse debate vá além da necessidade de ampliação de recursos. É preciso incorporar medidas para melhorar a qualidade do gasto público e a coordenação efetiva da participação de todos os atores, públicos e privados, seja na prestação de serviços ou no enfrentamento dos determinantes sociais e econômicos da saúde. Além disso, é necessária a construção e manutenção de apoio político, no Congresso Nacional e na sociedade, para sustentar a evolução contínua do nosso sistema de saúde. Esse não é um debate trivial, pois envolve construir uma ação coletiva ampla e complexa para garantir o direito constitucional à saúde.

A nossa Constituição define que a saúde é direito de todos e dever do Estado garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde para promoção, proteção e recuperação da saúde. Diz, ainda, a nossa Carta Magna, que a saúde é um direito social fundamental e as políticas públicas têm que considerar não só os serviços médicos, mas também fatores determinantes como alimentação, moradia, saneamento básico, meio ambiente, trabalho, renda, lazer e acesso a bens e serviços essenciais. Importante ressaltar que a Lei n. 8.080/1990 estabelece que o dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade.

O texto constitucional também estabeleceu em seu artigo 199 que a assistência à saúde é livre à iniciativa privada e que ela pode participar de forma complementar no SUS, e não como outro sistema de saúde. Essa participação deve ocorrer segundo as diretrizes do SUS e mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos. Estabelece ainda que é vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos.

O SUS, um sistema único, público e orientado pelos princípios da universalidade, integralidade, equidade, descentralização e participação da comunidade foi criado para operacionalizar esse direito. Isso significa que a população tem direito a ser atendida qualquer que seja sua necessidade de saúde, podendo o atendimento começar no município e, se necessário, continuar no nível estadual ou federal de forma a garantir o atendimento integral. Ofertar os serviços de saúde para uma população de 213 milhões de pessoas de forma integral e no tempo requerido pela necessidade específica de cada um, não é uma tarefa simples do ponto de vista político, financeiro, organizacional e gerencial.

Essas ambiciosas e generosas definições constitucionais e legais explicitam a complexidade do desafio colocado pelos constituintes à sociedade brasileira. É a partir delas que se deve debater como garantir o exercício do direito à saúde.

Nesse contexto normativo, destacam-se quatro desafios fundamentais para garantir o exercício do direito à saúde: o financiamento, a participação privada no SUS, a qualidade do gasto público e apoio político do Congresso Nacional e da sociedade.

Financiamento: é preciso aumentar o gasto público em saúde

Os constituintes criaram o direito à saúde, mas não definiram uma forma de financiamento que garantisse à população brasileira o exercício integral desse direito. Desde então, algumas legislações foram feitas para suprir essa falha, mas nenhuma delas garantiu o financiamento adequado.

O gasto total em saúde no nosso país é cerca de 9,5% do PIB, próximo à média dos países membros da OCDE. Portanto, considerando essa métrica, o país não gasta pouco em saúde, em proporção do PIB. No entanto, se formos considerar apenas o gasto público em relação ao gasto total, o montante de aproximadamente 40% aplicado no Brasil é muito inferior aos países da OCDE, que variam entre 70% e 80%. O Brasil aloca cerca de 10,3% do total do orçamento público dos governos em saúde, enquanto na Espanha esse valor é de 15,2%, no Reino Unido de 19,2%, no Chile de 18,3% e nos EUA de 22,5%. Esses dados deixam claro que precisamos aumentar o gasto público para financiar o nosso sistema de saúde e promover maior equidade e acesso.

Isso pode ser feito aumentando o financiamento por meio do orçamento público, pela revisão dos gastos tributários, que corresponderam, em 2024, a 40% do orçamento do Ministério da Saúde, e pelo direcionamento das emendas parlamentares para fortalecer o planejamento do SUS. No entanto, esse aporte de recursos tem um claro limite devido às nossas restrições fiscais e às várias demandas por políticas públicas em muitas áreas.

Ressalte-se que apesar do subfinanciamento crônico, os resultados da prestação de serviços do SUS são muito relevantes, haja vista o desempenho no enfrentamento da pandemia do COVID-19. Um estudo da OCDE estima que aumentar a eficiência dos sistemas de saúde dos países membros poderia gerar um ganho de 2% do PIB no gasto público em saúde. As ineficiências definidas pelo estudo do Banco Mundial para o SUS, que representam cerca de 10% do gasto do SUS, significam bem menos de 2% do PIB. Isso indica que o nível de ineficiência do SUS está dentro da média mundial.

Coordenar o setor público e o privado em benefício da qualidade e da eficiência

A política pública pode pretender atender à toda demanda de saúde com prestação de serviços estatais, ou pode, conforme já autorizado pela Constituição, fazer parceria público privada para prover esses serviços. Considerando a existência de uma enorme infraestrutura privada no país, não é viável, do ponto de vista político nem financeiro, que o setor público queira assumir toda a prestação de serviços de saúde do país. O Brasil dispõe, proporcionalmente, da terceira maior estrutura de prestação de serviços de saúde privada do mundo. Nesse quadro, o melhor é coordenar os esforços dos dois setores em benefício da melhoria da qualidade e da eficiência do que continuar a competição pelos usuários e a desqualificação da imagem dos serviços públicos.

O acesso mais rápido a consultas, exames e cirurgias pelos usuários do setor privado é usado como argumento para criticar o setor público. No entanto, essa é uma comparação equivocada para comparar os dois setores. O setor privado atende cerca de 25% da população, apenas para assistência, com um orçamento maior que o do setor público, enquanto este atende 75% da população com uma oferta muito maior de serviços e uma abrangência territorial incomparável com o setor privado. Portanto, esse argumento não ajuda no processo de integração, pois incentiva o conflito e projeta uma imagem de que o setor privado quer apenas se aproveitar das dificuldades do SUS, e não contribuir para melhorar a prestação dos serviços de saúde. É responsabilidade do Ministério da Saúde liderar essa integração, mas também, é preciso que o setor privado se disponha a colaborar e a se submeter às diretrizes do SUS.

Precisamos avançar, portanto, na articulação e coordenação do gasto privado, fortalecendo a regulação governamental para integrá-lo ao Sistema Único de forma mais racional, evitando desperdícios na prestação de serviços. O objetivo é colocar sob a coordenação da política pública o máximo possível do gasto total em saúde. Um bom início desse processo de integração é o fortalecimento da Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS) como base para a construção de um prontuário único, que agregue todas as informações de atendimento em saúde da população, independentemente desse atendimento ser feito pelo setor público ou privado.

Organização para garantir a qualidade do gasto

A qualidade do gasto, definida como cumprir a função social ao menor custo possível, requer organização do planejamento, da gestão e do controle do SUS para alcançar resultados de eficiência, eficácia e efetividade para garantir a aplicação dos recursos no interesse dos seus usuários, prover sustentabilidade financeira, combater os desperdícios e aprimorar a qualidade da prestação dos serviços de saúde.

No SUS, esse objetivo é dependente de várias ações como a qualificação da gestão com foco em resultados; a participação da população; a ampliação da digitalização da saúde e a disponibilidade de recursos humanos qualificados, de infraestrutura, de insumos e de capacidade gerencial em todas as regiões do país; a reorganização do modelo de atenção à saúde com foco nas doenças crônicas, na superação da fragmentação entre os níveis de atenção e no incentivo ao autocuidado assistido; do aumento da resolutividade da atenção primária e o seu fortalecimento como coordenadora do fluxo do cuidado; da regionalização da prestação de serviços de saúde, para fazer com que o usuário seja atendido na sua própria região de saúde, evitando longos deslocamentos pelas estradas para ter acesso aos serviços do SUS; da redução da judicialização; da articulação intersetorial das políticas públicas em todos os níveis de governo; do financiamento adequado; da integração federativa; e da regulação adequada da participação privada na prestação de serviços.

Apoio político do Congresso e da sociedade brasileira

Há uma disputa na sociedade sobre os orçamentos e as orientações das políticas públicas de saúde, em função de interesses políticos e econômicos. Nessa disputa, o desafio é fazer com que prevaleça o interesse dos usuários do SUS. Esse objetivo deve ser perseguido fortalecendo os conselhos de saúde (nacional, estadual, municipal e local) já previstos na legislação e que contam com a participação dos usuários, governos e do setor privado.

Outra importante medida é ampliar a transparência sobre o desempenho do SUS para estimular o debate na sociedade, particularmente no Parlamento, sobre seus resultados e problemas. Nesse sentido, é preciso fornecer à população um instrumento que permita que ela avalie as políticas de saúde como um todo de modo simples, objetivo e de fácil compreensão. O SUS já teve um instrumento como esse, que foi o Índice de Desempenho do SUS (IDSUS), que, infelizmente, foi descontinuado ao invés de ser aperfeiçoado. Além disso, a conquista do apoio da sociedade também vai depender da qualidade dos serviços ofertados à população.

O debate sobre as políticas de saúde não é apenas sobre financiamento, mas também é sobre como transformar recursos em serviços eficientes e de qualidade para a população. No setor público esse é um desafio técnico e político.

Acompanhe as iniciativas do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde no Instagram pelo @iepsoficial e no nosso canal no WhastApp

Você também pode gostar

Deixe seu Comentário