Página Inicial Saúde PLs preveem prender médicos por serviços para jovens trans – 16/04/2025 – Equilíbrio e Saúde

PLs preveem prender médicos por serviços para jovens trans – 16/04/2025 – Equilíbrio e Saúde

Publicado pela Redação

Há pelo menos 20 projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional que buscam proibir procedimentos para transição de gênero em crianças e adolescentes, com previsão de penas de até 20 anos de prisão para médicos.

Autores desses projetos negam que eles tenham caráter antitrans e afirmam que menores de idade não têm discernimento necessário para tomar decisões sobre o próprio corpo.

Na semana passada, o CFM (Conselho Federal de Medicina) editou resolução que proíbe o bloqueio puberal para mudança de gênero. O documento, ainda não publicado no Diário Oficial, também eleva de 16 para 18 anos a idade mínima para hormonização, e aumenta de 18 para 21 anos o limite para cirurgias que podem causar infertilidade, como as que removem útero e ovários.

Enquanto a resolução do CFM estabelece critérios éticos e técnicos para o atendimento de pacientes trans, podendo acarretar processos administrativos e perda de registro profissional, os PLs no Congresso propõem alterações no Código Penal e no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), levando o assunto para a esfera criminal.

Os projetos protocolados na Câmara dos Deputados tramitam em conjunto, apensados ao PL 3419/2019, do ex-deputado federal Heitor Freire (PSL/CE). A iniciativa prevê idade mínima de 21 anos para tratamentos hormonais e cirurgias.

No Senado, tramita o PL 501/2023, do senador Magno Malta (PL/ES), que prevê de 12 a 20 anos de prisão para quem submeter criança ou adolescente a cirurgias de transexualização. Essa prática já era proibida pelo CFM mesmo antes da nova resolução.

O projeto também estabelece penas de 8 a 12 anos em casos de terapia hormonal, ensino educacional ou tratamento psicológico relativo à transição de gênero em menores de idade. Para efeito de comparação, a pena prevista no Código Penal para estupro de vulnerável é de 8 a 15 anos de prisão.

Esses PLs estão parados nas comissões de direitos humanos da Câmara e do Senado.

O veto do CFM aos bloqueadores de puberdade só vale para crianças e adolescentes que queiram fazer a transição de gênero e não se aplica a casos de puberdade precoce ou outras doenças endócrinas. Até então, o procedimento era autorizado em caráter experimental com protocolo de pesquisa em um número limitado de hospitais universitários do país. As novas regras não afetam pessoas que já façam uso de bloqueadores ou hormônios.

O CFM justifica as novas restrições por suposto aumento da “destransição”, mas não apresenta dados que comprovem o fenômeno. Questionado se defende cassação de registro de médicos que descumprirem a novas regra e se concordaria que esses profissionais fossem presos caso algum dos PLs se torne lei, o conselho disse que não se pronunciaria antes da publicação da resolução.

Em dezembro, o Ministério da Saúde anunciou o Programa de Atenção Especializado à Saúde da População Trans (Paes Pop Trans), que ampliaria o número de serviços voltados para esse segmento no SUS (Sistema Único de Saúde) e retiraria o caráter experimental dos bloqueadores de puberdade, além de prever hormonização a partir dos 16 anos e cirurgias a partir dos 18. A medida ainda não foi publicada.

De acordo com especialistas ouvidos pela reportagem, a resolução do CFM ameaça a autonomia médica e impõe barreiras no acesso à saúde para crianças e adolescentes trans. Esses analistas também dizem que os PLs no Congresso contribuem para um ambiente de perseguição que pode fragilizar ainda mais as instituições de cuidado.

“Há muitos dados e bases científicas que tornam evidente que o bloqueio puberal, quando realizado com acompanhamento profissional e participação da família, é a prática mais recomendada. A mesma coisa pode-se dizer do acesso de jovens a partir dos 16 anos ao cuidado hormonal”, diz Marco Aurélio Máximo Prado, professor do Departamento de Psicologia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e coordenador do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT+ da instituição.

“Negar este acesso vai produzir sofrimento mental e empurrar as pessoas para a clandestinidade, para procurar hormonização em contextos de insegurança, sem controle médico e sem boas práticas de cuidado.”

Os PLs que propõem restringir serviços de saúde fazem parte de uma ofensiva antitrans mais ampla, ao lado de projetos que buscam impedir discussões sobre gênero em sala de aula, proibir a participação de atletas trans em competições esportivas e limitar o acesso de transgêneros a banheiros compartilhados.

Iniciativas com esse teor não foram aprovadas no Congresso mas têm avançado em assembleias legislativas e câmaras municipais. De acordo com levantamento da Folha, há em vigor no país mais de 70 leis estaduais e municipais que buscam restringir direitos da população trans.

Parlamentares dizem defender crianças e adolescentes

Procurado pela reportagem, o senador Magno Malta nega que o PL 501/2023 tenha caráter antitrans e afirma que esse rótulo é equivocado e carregado de preconceito.

“O objetivo central da proposta não é restringir os direitos das pessoas trans, mas sim proteger crianças e adolescentes, indivíduos em processo de formação física, mental e emocional, de intervenções irreversíveis, como cirurgias e tratamentos hormonais de transexualização”, diz o parlamentar por meio de assessoria.

Malta afirma que as novas restrições do CFM são uma medida necessária e responsável. “Tal resolução está alinhada com o projeto de lei de minha autoria, pois é nosso dever proteger a saúde e o bem-estar de crianças e adolescentes”, afirma.

O deputado federal Kim Kataguiri (União/SP), autor do PL 192/2023, também diz não concordar que projetos como esse sejam antitrans. O projeto propõe penas de 2 a 4 anos de prisão para pais e médicos que permitirem que crianças e adolescentes façam tratamentos para mudança de gênero, e também prevê penas de 1 a 3 anos para professores que instigarem seus alunos a fazê-lo.

“O projeto busca impedir que pressões ideológicas ou modismos levem a intervenções médicas precoces, que podem causar danos permanentes. Se há disforia, o caminho deve ser o acompanhamento psiquiátrico, com base científica, não a medicalização precoce”, diz Kataguiri por meio de assessoria. “O Parlamento tem a obrigação de proteger os menores da violência, da crueldade e, sim, de qualquer tipo de experimentação ideológica.

O deputado federal Coronel Chrisóstomo (PL/RO), autor do PL 682/2023, afirma que crianças e adolescentes não possuem o discernimento necessário para tomar decisões com impactos tão profundos e permanentes sobre seu corpo e sua saúde mental. A iniciativa propõe alterar o ECA e prevê de 8 a 12 anos de prisão para quem sujeitar criança ou adolescente a cirurgias transexualizadoras, além de pena de 4 a 8 anos em caso de emprego de bloqueadores de puberdade ou hormônios, e de 3 a 6 anos por ensino educacional ou tratamento psicológico relativos à transição de gênero.

“O projeto não criminaliza pessoas trans, nem impede que maiores de idade tomem decisões quanto à sua identidade de gênero. Pelo contrário: ele busca assegurar que decisões de grande impacto só sejam tomadas quando houver plena capacidade legal e psicológica para compreendê-las em sua totalidade. A prudência deve sempre prevalecer quando se trata da proteção do menor.”

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