Outro dia num jantar aqui em casa, duas amigas conversavam sobre deixar ou não as crianças comerem açúcar antes dos cinco anos de idade. Saí da mesa para ir ao banheiro, e, quando voltei, uma chamava a outra de fascista. Meu Deus, como elas conseguiram ir do musse ao Mussolini? Preocupada com a nuvem de climão que se instaurava sobre nós, tratei de pôr a culpa do atrito no álcool. “Estamos bebendo água”, disse uma delas com olhar fumegante, enquanto respondia à ofensa com outro insulto ainda pior. Era nítido que, se eu não tomasse uma atitude rápida, a discussão ia crescer enquanto o suflê na mesa só murchava. Inventei uma enxaqueca, pressão baixa, precisava deitar. Sem comer, e com gosto amargo de ofensa, todo mundo voltou para casa mais cedo. No dia seguinte, fiquei me perguntando o que tinha levado duas pessoas que sempre se entenderam a se ofenderem daquele jeito. Talvez um bode marinando entre elas há um tempo? Vai saber.
Segui a vida sem pensar mais nisso até o dia em que presenciei dois homens no clube quase saindo na mão. O motivo? Um era vegano, e o outro não. O vegano acusava o carnívoro de assassinato enquanto o carnívoro gritava “sociopata” para o amante de abobrinhas. Se antigamente se dizia que “sobre política e religião não se discute”, hoje em dia tudo se discute e até a morte. Política, religião, kombucha, crochê podem virar pólvora.
Não sei se é culpa do algoritmo, que nos mantém em bolhas onde as crenças só se reforçam, mas estamos perdendo a mão. Ou melhor, a cabeça. Saudade dos gregos que quebravam o pau e depois iam fazer sauna com quem tinham debatido numa boa. Debater, aliás, vem do latim “bater de volta”. Mas isso não significa que você precisa espancar seu interlocutor com um taco de beisebol, chamá-lo de narciso-fascista-machista-sociopata-antissemita-tóxico.
Outro dia, postei uma notícia sobre a lamentável situação em Gaza. Um cidadão bem intencionado me procurou no privado, expondo seu incômodo. Educadamente, ele me disse sua opinião, eu mantive a minha. Discordamos, e isso foi o suficiente para que ele passasse a me acusar de muitas coisas, já que, em suas próprias palavras, não conseguiria “me educar”. “E-D-U-C-A-R”, disse o senhor Palestrinha. Não que eu não tenha nada a aprender. Ao contrário, tento diariamente ser uma pessoinha melhor e me esforço bastante para isso lendo e ouvindo os outros. O que me choca é como, do dia para a noite, nos tornamos paladinos da verdade numa nobre missão de trazer a luz. Das guerras aos “bebês reborn”, todo mundo está louco para esfregar sua verdade na face do colega e se sentir um herói por isso. É mais fácil encontrar um mico-leão-dourado em plena São Paulo do que alguém disposto a discordar de você com todo respeito e educação.
Não incluo nisso os que de fato reproduzem por aí ideias racistas, homofóbicas ou qualquer outro esgoto do gênero. Com esses não tem conversa. Mas, se todo e qualquer assunto for motivo para rompimentos, quem vai sobrar para conversar com você no jantar? O ChatGPT? Li esses dias que as pessoas têm usado a ferramenta para pedir conselhos. Mas estamos mesmo em busca de reflexões ou só de tapinhas digitais nas costas?
Tive durante dez anos uma analista maravilhosa que me irritava profundamente, me questionava, e muitas vezes me trazia observações baseadas justamente no que eu não falava na análise. Meu melhor amigo discorda de mim em quase tudo há 20 anos, e, ainda que às vezes eu queira matá-lo, prefiro tê-lo para sempre comigo me fazendo pensar. Somos dois PHDs em PRN (porra nenhuma) que concordam em discordar. E sinceramente acho isso lindo.