Neste Dia das Mães, uma novidade em discussão no SUS (Sistema Único de Saúde) pode melhorar a vida de gestantes em todo país. Aprovado na Comissão de Previdência e Assistência Social da Câmara dos Deputados, um projeto de lei ainda em tramitação abre a discussão sobre as disparidades no acesso ao pré-natal pela rede pública.
O PL, de autoria da deputada Dani Cunha (União-RJ), ainda precisa passar por duas comissões da Câmara antes de ser submetido a votação. O texto propõe a unificação nacional dos protocolos de atendimento pré-natal, mantendo a flexibilidade para adaptações regionais.
Para a Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), se vingar, a proposta virá em boa hora.
“Essa padronização busca garantir que todas as gestantes tenham acesso a cuidados de qualidade, baseados em evidências científicas, independentemente de sua localização geográfica”, destaca a médica Lilian de Paiva Rodrigues Hsu, presidente da Comissão Nacional Especializada em Assistência Pré-Natal, vinculada à Febrasgo.
De acordo com Hsu, a entidade apoia o PL 3981/23, que, a seu ver, vem estabelecer diretrizes claras para todos os profissionais de saúde, fortalecendo a atenção primária e permitindo complementações estaduais e municipais. “A adoção de protocolos unificados pode contribuir para a redução da morbimortalidade materna e neonatal“, afirmou a médica.
Os estudos mais recentes mostram que ter baixa renda ou escolaridade e até mesmo a cor de pele da mãe podem ser agravantes de risco de negligência com gestante e bebê durante o pré-natal.
Segundo levantamento feito pela UFBA (Universidade Federal da Bahia) de 2022, mulheres negras representavam a maioria dos atendimentos no setor público (79,9%) e somente 15,9% dos pré-natais realizados no setor privado. Entre as brancas, 41,1% usaram a rede particular.
Chamado de “Pré-natal da mulher brasileira: desigualdades raciais e suas implicações para o cuidado”, o estudo foi publicado na revista Ciência & Saúde Coletiva.
O trabalho revelou, a partir de dados da Pesquisa Nacional de Saúde (2013), que mulheres negras têm 35% menos chance de iniciar o pré-natal até a 12ª semana de gestação.
Foram usados indicadores de uma assistência considerada adequada pelo Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento (PHPN) e Manual Técnico de Atenção ao Pré-Natal de Baixo Risco.
A pesquisa aponta ainda que as gestantes desse segmento da população têm 49% menos probabilidade de realizar teste de HIV e 28% menos acesso a exames das mamas, se comparadas às de pele branca. Pessoas negras gestantes recebem também menos orientações sobre trabalho de parto, sinais de risco e amamentação.
A servidora pública Mychelle Roberto Veloso, 23, foi mãe aos 18 anos e fez todo o pré-natal pelo SUS. Ela relata ter recebido um bom amparo na UBS.
“Os profissionais sempre foram atenciosos e me ajudaram com dúvidas, [mas] seria interessante mais ultrassons e testes específicos para detecção precoce de doenças”, afirma Veloso.
Ao ser perguntada sobre relatos de negligência com mulheres negras, a servidora disse acreditar que pode, sim, ter sofrido alguma desconsideração em suas queixas devido à cor da pele: “Não senti tanto acolhimento quando relatava dores nas costas e cabeça”.
O trauma, porém, vem da lembrança do parto, também feito na rede pública: “Induziram sem justificativas claras. Não pude expressar minha dor, disseram que eu assustaria outras gestantes”.
O artigo “Desigualdades na cobertura da assistência pré-natal no Brasil”, publicado na revista Ciência & Saúde Coletiva, em 2021, analisou dados de 1.851 gestantes brasileiras.
O estudo foi conduzido por pesquisadores da UFPel (Universidade Federal de Pelotas) e identificou que pouco mais de 30% das mulheres relataram ter passado ao menos por seis consultas pré-natais e só 21,7% passaram por todos os indicadores
Embora não tenha encontrado desigualdades socioeconômicas acentuadas, o levantamento destacou lacunas como a baixa cobertura de exames de mama (36,7%) e que, apesar de 81,4% das mulheres realizarem todos os exames, apenas 36,7% tiveram os seios examinados e 33,4%, todos os procedimentos realizados.
Quanto às características da amostra, 50,8% relataram cor da pele negra/parda e 58,2%, ser solteiras. A maioria possuía ensino médio (54,6%) e 23,2% tinham renda alta.
Marcelo Vallo, advogado especialista em Direito Constitucional e em Direito Público, atua na área do Direito dos Vulneráveis e lembra que a Constituição Federal inclui o acesso à saúde como fundamento.
“É dever do Estado garantir às pessoas um acesso universal às ações, serviços [em Saúde]. Sem uma lei que unifique esses protocolos, o atendimento pode variar de região para região. Essa nova lei combate situações de desigualdade”, diz Vallo.
O advogado reforça ainda que o atendimento pré-natal é um componente dos chamados direitos reprodutivos das mulheres previstos pelo 1º artigo da CF.
Após sua experiência no SUS, Veloso espera que, se aprovada a mudança de protocolo, os profissionais de saúde passem a “ouvir mais as gestantes”.