Nada, ou talvez tudo, é fortuito quando se trata de Amanda Feilding: às 20:25 de 22.05.2025 morreu aos 82 anos a mulher que tanto trabalhou para avançar a ciência psicodélica e tirar o estigma proibicionista de substâncias alteradoras da consciência. Dedicou a vida a sondar as profundezas da mente e disse ao marido e aos filhos partir entusiasmada com a perspectiva de descobrir o mistério final.
Conheci-a em Londres, há pouco menos de seis anos, na conferência psicodélica Breaking Convention. Marcamos uma conversa no hospital Princesa Grace, onde estava internada para tratar infecção sob a pele do braço direito que ameaçava espalhar-se como septicemia. A paciente tinha escapulido no dia anterior para dar concorrida palestra sobre microdoses de LSD na conferência.
A condessa de Wemyss e March, título adquirido em 1995 ao casar-se com James Charteris sob uma pirâmide egípcia, tinha papéis e pastas espalhadas sobre o leito hospitalar onde deveria repousar. Estava em plena atividade, com o sentido de urgência que lhe era característico.
Ela fundou em 1998 a Fundação Beckley, com missão de restabelecer o LSD como medicamento, algo que se perdera nos anos 1970 quando o ácido lisérgico foi proibido após ser eleito como combustível de sonhos contraculturais. Começou fazendo campanha pela reforma das políticas de drogas mundo afora.
Amanda tomou LSD pela primeira vez em 1965, quando o composto ainda era legal e distribuído pelo laboratório suíço Sandoz para médicos e pesquisadores do mundo todo. Convenceu-se do potencial terapêutico dos psicodélicos e manteve o LSD como sua “vitamina” preferida: “Vi como ele consegue ir fundo na alma”.
A Beckley aproximou-a de neurocientistas como David Nutt, cujos estudos no Imperial College de Londres ajudou a financiar. Dali sairiam artigos pioneiros com imagens de cérebros humanos sob efeito de psicodélicos e com aplicação terapêutica de psilocibina (psicoativo de cogumelos Psilocybe) para depressão.
Da fundação nasceu a empresa Beckley Psytech, conduzida pelo filho Cosmo Feilding-Mellen. A startup deixou o LSD de lado e se voltou para o composto 5-MeO-DMT, conhecido originalmente como veneno do sapo-do-rio-colorado (Incilius alvarius), em formulação intranasal (BPL-003) para tratar depressão e abuso de álcool.
“Sempre estive pesadamente envolvido com a ciência psicodélica, cercado por esse tema, essa paixão”, disse Cosmo ao blog em 2021. “Tive a felicidade de crescer na companhia de figuras como Sasha Shulgin e Rick Doblin. Fui voluntário em vários testes no Imperial College, por exemplo para tomada de imagens do cérebro sob psilocibina.”
Apenas oito dias após a morte de Amanda a empresa atai Life Sciences, do investidor psicodélico Christian Angermayer, anunciou a aquisição da Beckley Psytech. O fechamento do negócio fica condicionado à confirmação de resultados positivos no teste clínico de fase 2b realizado pela Beckley com 5-MeO-DMT –ou seja, Angermayer ainda pode pular fora.
Segundo o boletim Psychedelic Alpha, a aquisição pôs o valor de mercado da firma de Feilding-Mellen em cerca de US$ 370 milhões (R$ 2,1 bilhões). A visionária Amanda não estava mais por aqui para ver.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.