Em um ano, a prevalência de mulheres brasileiras fumantes de cigarro eletrônico quase dobrou, passando de 1,4% para 2,6% entre 2023 e 2024. Entre os homens, houve uma pequena queda, de 2,9% para 2,5%.
Os dados preliminares são de uma pesquisa do Ministério da Saúde feita em capitais e no Distrito Federal e divulgada na última quarta-feira (28), durante um evento em alusão ao Dia Mundial sem Tabaco. Na cerimônia, foi anunciada a primeira alta de fumantes adultos desde 2007.
As mulheres também ajudaram a impulsionar a alta em relação aos cigarros convencionais: de 7,2% para 9,8%. Entre os homens, a taxa subiu de 11,7% para 13,8%.
De uma forma geral, o número de mulheres fumantes não tem crescido globalmente. Em muitos países, especialmente os de alta renda, o uso de cigarros tem diminuído, enquanto em outros de baixa e média renda, que estão na Ásia e no Leste Europeu, por exemplo, há estagnação ou aumento relativo.
Mas, assim como no Brasil, a prevalência de mulheres que utilizam cigarros eletrônicos (vapes) tem crescido em diversos países, especialmente entre as mais jovens, o que preocupa as autoridades de saúde.
A Anvisa proíbe desde 2009 a importação, publicidade e comercialização dos produtos oficialmente chamados de DEFs (Dispositivos Eletrônicos para Fumar), categoria que inclui cigarros eletrônicos e vapes. Em 2024, a agência decidiu manter o veto ao considerar que não há dados apontando benefícios sobre a regularização. Mas, como mostra a pesquisa, o uso de produtos ilegais está disseminado no país.
Na Inglaterra, onde a venda desses dispositivos é permitida, um estudo revelou que, entre 2013 e 2023, a prevalência do uso entre mulheres em idade reprodutiva mais que triplicou, passando de 5,1% para 19,7%. Esse aumento foi ainda mais acentuado entre as mais pobres, atingindo 26,7%.
Pesquisas sugerem que o uso de vapes pode estar associado a níveis reduzidos do hormônio antimülleriano (AMH), um indicador da reserva ovariana, o que pode afetar a fertilidade feminina. Também há riscos ao desenvolvimento fetal.
Segundo a cardiologista Jaqueline Scholz, diretora do Núcleo de Tabagismo de InCor (Instituto do Coração), o aumento da prevalência do uso de vapes por mulheres segue o mesmo caminho observado em relação aos cigarros convencionais.
“A história se repete. Lá atrás, o cigarro era um comportamento mais dos homens, que aos poucos começou a ser adotado pelas mulheres. Observamos o mesmo agora em relação aos eletrônicos.”
Mônica Andreis, diretora-presidente da ACT Promoção da Saúde, organização não governamental que promove ações contra o tabagismo e outros fatores de risco à saúde, a indústria mundial do cigarro repete, com os vapes, estratégias que adotou no passado para conquistar o público feminino.
“Não é só tornar mais atraente o produto com cores, formatos e sabores e tal, o que tem um apelo entre o público feminino, mas também na questão da associação com os mesmos fatores que levam muitos jovens a experimentar e continuar fumando, de se sentir pertencente ao grupo.”
Para Scholz, essas estratégias usadas na promoção do cigarro eletrônico capturam o público jovem como um todo, especialmente aquele que nunca fumou. “É morango com kiwi, é banana. Ele se sente atraído pelos sabores doces.”
O aumento da prevalência de mulheres fumantes também preocupa pelo fato de que elas têm mais dificuldades de parar de fumar do que os homens. Os motivos não são totalmente conhecidos, mas pesquisadores acreditam que fatores biológicos, incluindo hormônios, podem contribuir.
De acordo com a cardiologista Scholz, muitas vezes o uso da nicotina pela mulher está associado a questões psíquicas, entraria como uma espécie de “remédio” para aliviar crises de ansiedade e de depressão, por exemplo.
“Daí a dificuldade maior de cessação espontânea [do tabagismo]. Não que ela não consiga, mas a abordagem tem que ser diferenciada, já que não é só a dependência, a abstinência à nicotina, não. Ela tem um agravo do sintoma psíquico.”
Segundo ela, a percepção é que a dificuldade de parar de fumar é ainda maior com os cigarros eletrônicos. “Quando tentam deixar de usar os vapes, as crises de ansiedade são mais intensas. Por quê? Porque o nível de nicotina consumida é maior. Você pode ter a crise de ansiedade pela própria ausência da nicotina, e os eletrônicos têm essa característica.”
Sherry McKee, pesquisadora da Escola de Medicina de Yale, que investiga o impacto do tabagismo nas mulheres, tem a mesma avaliação. Ela diz que os homens tendem a fumar para satisfazer o desejo por nicotina, enquanto as mulheres fumam mais para controlar o humor negativo.
Outro motivo, diz ela, é que as mulheres são mais propensas a fumar como forma de controlar o peso, e muitas que param voltam a fumar ao primeiro sinal de que está engordando.
Os níveis de estrogênio também podem dificultar o abandono do cigarro. Alguns estudos sugerem que níveis mais altos de estrogênio tornam substâncias viciantes, como a nicotina, mais recompensadoras.
Outro ponto importante, segundo ela, é a medicação, considerada parte fundamental para parar de fumar, uma vez que a maioria das pessoas que para sem medicação experimenta desejos e abstinência mais intensos, segundo estudos.
Mas nem todos os medicamentos para cessação do tabagismo funcionam tão bem para as mulheres quanto para os homens.
Um estudo de Yale, publicado na revista Nicotine and Tobacco Research, comparou vareniclina, bupropiona e nicotina transdérmica, e mostrou que as três são igualmente eficazes para homens que tentam parar de fumar, mas, para as mulheres, a vareniclina foi o único medicamento eficaz.
Mesmo que seja difícil, as mulheres devem continuar tentando parar de fumar, diz McKee. “Muitas vezes, as mulheres tentam várias vezes antes de conseguir. Mas parar de fumar é uma das coisas mais importantes que você pode fazer para melhorar sua saúde, então é importante continuar tentando. Há apoio para isso”, diz ela.
O projeto Saúde Pública tem apoio da Umane, associação civil que tem como objetivo auxiliar iniciativas voltadas à promoção da saúde