A idade média da primeira menstruação parece estar diminuindo. É o que sugere uma pesquisa da Universidade Harvard publicada na revista JAMA. Segundo o estudo, feito com 71.341 mulheres nos Estados Unidos que declararam a idade da primeira menstruação, a média para nascidas de 1950 a 1969 é de 12,5 anos. Entre as nascidas de 2000 a 2005, a idade cai para 11,9 anos.
Segundo a endocrinologista Ângela Maria Spinola e Castro, diretora da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional São Paulo, essa redução progressiva da idade média da menarca é um processo ainda mais longo do que apenas os séculos 20 e 21. “Existe um processo chamado antecipação secular da menarca”, diz. “O mundo todo modificou o padrão puberal. Em muitos países, principalmente os mais pobres, houve uma antecipação da menarca e do desenvolvimento puberal com a melhora das condições de vida.”
A antecipação da idade média da menarca não deve alarmar ninguém, segundo Benito Lourenço, pediatra do departamento de adolescência da Sociedade Brasileira de Pediatria. “Melhoramos a atenção à saúde, controlamos infecções e doenças. A alimentação melhorou de forma que essa idade voltou a ser por volta de 12, 13 anos.”
“Tivemos momentos dramáticos na humanidade em termos de desnutrição, trabalho infantil, doenças”, diz. Segundo o pediatra, a idade média da menarca já foi por volta dos 16 anos nos séculos 17 e 18. Hoje, porém, já se sabe o momento biologicamente correto, de acordo com Lourenço, para a entrada na puberdade.
A menarca é o fenômeno mais marcante e conhecido dessa etapa. É, também, um dos últimos.
A puberdade e a adolescência merecem diferenciação. O primeiro é um conjunto de transformações físicas pelas quais o corpo infantil passa para se tornar um corpo adulto. O segundo leva em conta mudanças sociais e comportamentais pelas quais os jovens passam.
Na puberdade masculina, o primeiro sinal é o aumento do volume do testículo. Nas meninas, é a telarca, o aparecimento e desenvolvimento dos seios. O pediatra ressalta que existe uma confusão com o aparecimento de pelos pubianos, mas que o sinal oficial de entrada na puberdade feminina está nos seios. Esse desenvolvimento pode, inclusive, ser unilateral ou bilateral.
Segundo Rosana Maria dos Reis, presidente da Comissão Nacional Especializada em Ginecologia na Infância e Adolescência da Federação Brasileira das Associações em Ginecologia e Obstetrícia, o desenvolvimento da mama sinaliza a produção de estrogênio pelo ovário. O pelo, porém, pode vir dos hormônios ovarianos, mas pode vir de hormônios da glândula adrenal.
O intervalo médio entre o surgimento dos seios e a menstruação costuma ser de dois anos. A idade média do mundo desenvolvido para a entrada das meninas na puberdade é de 9,5 a 10 anos. O tolerável, segundo Lourenço, é que ocorra dos 8 aos 13 anos. A menarca, mais tardia, tem idade média de 12 anos. A janela de tolerância vai dos 10 aos 15 anos.
Antes disso, fala-se em precocidade. Mas, segundo a endocrinologista, a média nacional está dentro da normalidade.
Alguns fatores, segundo os médicos, podem contribuir para o desenvolvimento precoce. A obesidade é um deles. “Sabemos que o tecido gorduroso é metabólico, ele metaboliza certos hormônios”, diz Lourenço. Entram na conta outros fatores como exposição a disruptores endócrinos —caso de alguns alimentos ultraprocessados, agrotóxicos, plásticos e produtos de beleza—, nascimento prematuro ou bebês que nasceram pequenos para a idade gestacional.
São fenômenos, segundo o pediatra, que não são evolutivos e que devem ser combatidos.
Outro fator que pode afetar a idade de entrada na puberdade é o estresse. Castro destaca que, durante a pandemia, houve aceleração de desenvolvimentos por estresse, associado ao excesso de exposição às telas.
Um artigo de 2020 publicado na JAMA Pediatrics usou a entrada na telarca como base para avaliar se a puberdade precoce estava aumentando a nível global. Mais de 3.000 estudos foram avaliados com dados do mundo todo e constatou-se uma redução de cerca de 3 meses por ano na idade da telarca de 1977 até 2013.
Os autores dizem que isso pode tornar o diagnóstico de precocidade desafiador e pode demandar uma reformulação do conceito de puberdade precoce, uma vez que a definição tradicional pode estar ultrapassada.
A entrada precoce na puberdade está associada com uma série de problemas. Segundo Castro, a autoestima pode ser comprometida pela percepção de diferença do grupo. “Imagina todas as amigas conversando sobre o primeiro sutiã e uma menina deslocada querendo conversar sobre absorvente”, diz Lourenço, o pediatra.
A ginecologista ressalta que o estrogênio em atuação impacta o sistema nervoso central. “A menina vai ter outros desejos, outros olhares. Isso é natural, faz parte da maturidade do sistema nervoso central.”
Há também um impacto na percepção social que a mudança corporal gera. “Os olhares serão de que aquele indivíduo virou adolescente”, afirma o pediatra. Isso pode adiantar a entrada na vida sexual, com gestações precoces e uso de substâncias.
A evolução mais rápida pode, ainda, comprometer a estatura. Segundo Lourenço, é um foco de preocupação das famílias. A estatura, porém, não se modifica de forma significativa se o processo puberal começa depois dos 8 anos, segundo Reis, a ginecologista.
A estatura é um dos fatores que leva à busca de tratamentos, que podem ocorrer na forma dos bloqueadores hormonais e da administração de hormônios de crescimento.
“As pessoas têm a ideia de que basta bloquear a puberdade para que as filhas fiquem mais altas”, diz a endocrinologista. Para ela, é uma percepção incorreta de como funciona esse mecanismo. A idade óssea não pode estar avançada demais e a menarca não pode ter ocorrido. É, inclusive, contra indicado fazer o bloqueio nesses casos.
“Não adianta bloquear a puberdade para ter mais altura. Muitas pessoas acabam bloqueando puberdades normais”, diz. Ela vê a questão como um problema relacionado ao crescimento, não à puberdade.
O uso da substância, que costuma ser injetada em intervalos mensais ou trimestrais, pode dificultar a perda de peso e interferir com a massa óssea, se usado por tempo prolongado.
O bloqueio tem sido objeto de debate acirrado. O CFM (Conselho Federal de Medicina) vetou o uso de bloqueadores hormonais em crianças e adolescentes trans por meio da resolução 2427 aprovada em abril deste ano. A medida proíbe o bloqueio hormonal para mudança de gênero e aumenta de 18 para 21 anos a idade mínima para realização de cirurgias.