Página Inicial Saúde Riscos da Cannabis podem aumentar com envelhecimento – 06/06/2025 – Equilíbrio e Saúde

Riscos da Cannabis podem aumentar com envelhecimento – 06/06/2025 – Equilíbrio e Saúde

Publicado pela Redação

Benjamin Han, geriatra e especialista em medicina do vício na Universidade da Califórnia, em San Diego, conta a seus alunos uma história de alerta sobre uma paciente de 76 anos que, como muitos idosos, lutava contra a insônia.

“Ela tinha dificuldade para pegar no sono e acordava no meio da noite”, diz. “Então a filha dela trouxe umas balas de goma para dormir” —doces comestíveis com Cannabis. “Ela experimenta uma goma após o jantar e espera meia hora”, conta Han.

Sem sentir efeitos, toma outra goma, depois mais uma —um total de quatro ao longo de várias horas.

Han aconselha os pacientes que estão experimentando Cannabis a “começarem doses pequenas e irem devagar”, utilizando produtos que contenham apenas 1 a 2,5 miligramas de THC, o ingrediente psicoativo presente em muitos produtos de Cannabis. No entanto, cada uma das gomas que a paciente tomou continha 10 miligramas.

A mulher começa a sentir ansiedade intensa e palpitações cardíacas. Uma pessoa jovem talvez ignorasse esses sintomas, mas essa paciente tem hipertensão e arritmia cardíaca chamada fibrilação atrial. Assustada, ela vai ao pronto-socorro.

Exames laboratoriais e avaliação cardíaca determinam que ela não está tendo um ataque cardíaco, e a equipe médica a manda para casa. Seu único sintoma persistente é a vergonha, relata Han. Mas e se ela tivesse ficado tonta ou tonta e tivesse se machucado em uma queda? Ele diz que já atendeu pacientes feridos em quedas ou enquanto dirigiam após usarem Cannabis. E se a Cannabis tivesse interagido com os medicamentos prescritos que ela tomava?

“Como geriatra, isso me faz refletir”, diz Han. “Nossos cérebros ficam mais sensíveis a substâncias psicoativas à medida que envelhecemos.”

Trinta e nove estados norte-americanos e o Distrito de Columbia agora permitem o uso medicinal de Cannabis e, em 24 desses estados, assim como em Washington, o uso recreativo também é legal. À medida que o uso por adultos mais velhos aumenta, “os benefícios ainda não estão claros”, afirma Han. “Mas estamos vendo mais evidências de possíveis danos.”

Uma onda de pesquisas recentes aponta para motivos de preocupação com os usuários mais velhos, com aumento nas visitas ao pronto-socorro e hospitalizações relacionadas à Cannabis. Um estudo canadense também encontrou associação entre esse tipo de atendimento e posterior desenvolvimento de demência. Os idosos têm mais tendência que os jovens a buscar Cannabis por razões terapêuticas —para aliviar dor crônica, insônia ou problemas de saúde mental. Mas especialistas afirmam que ainda há pouca evidência de eficácia nesses casos.

Em uma análise de dados de pesquisas publicada nesta segunda-feira no jornal médico JAMA, Han e seus colegas relatam que o uso “atual” de Cannabis (definido como uso nos últimos 30 dias) aumentou entre adultos com mais de 65 anos: de 4,8% dos entrevistados em 2021 para 7% em 2023. Em 2005, ele aponta, menos de 1% dos idosos relatavam ter usado Cannabis no ano anterior.

O que está impulsionando esse aumento? Especialistas apontam para a legalização progressiva em vários estados — o uso entre idosos é mais alto nos estados onde o consumo é legal. Pesquisas também mostram que a percepção de risco associado ao uso da Cannabis diminuiu. Uma pesquisa nacional revelou que uma proporção crescente de adultos americanos — 44% em 2021 — acreditava, de forma equivocada, que fumar Cannabis todos os dias era mais seguro do que fumar cigarros. Os autores do estudo, publicado no JAMA Network Open, observam que “essas visões não refletem a ciência existente sobre a fumaça da Cannabis e a do tabaco.”

A indústria da Cannabis também direciona seus produtos para o público mais velho. A rede Trulieve oferece um desconto de 10% para “clientes sábios” com mais de 55 anos, tanto nas lojas quanto online. A RISE Dispensaries promoveu por um ano um programa de “educação e empoderamento sobre Cannabis” para dois centros de convivência de idosos em Paterson, Nova Jersey, incluindo visitas ao seu dispensário.

A indústria tem muitos clientes idosos satisfeitos. Liz Logan, 67, escritora freelancer de Bronxville, Nova York, conviveu por anos com problemas de sono e ansiedade, mas as condições se agravaram há dois anos, quando seu marido estava morrendo de Parkinson. “Frequentemente eu ficava acordada até às 5 ou 6 da manhã”, conta. “Isso te enlouquece.”

Buscando produtos comestíveis à base de Cannabis na internet, Liz descobriu que gomas contendo apenas CBD não ajudavam, mas aquelas com 10 miligramas de THC resolviam o problema, sem efeitos colaterais perceptíveis. “Não me preocupo mais com o sono”, afirma. “Resolvi um problema de vida inteira.”

Mas estudos nos EUA e no Canadá —onde a Cannabis não medicinal foi legalizada em 2018 —mostram taxas crescentes de pessoas mais velhas buscando atendimento médico por problemas relacionados ao uso da substância, tanto em ambulatórios quanto em hospitais.

Na Califórnia, por exemplo, as visitas ao pronto-socorro relacionadas à Cannabis por pessoas com mais de 65 anos aumentaram de cerca de 21 por 100 mil em 2005 para 395 por 100 mil em 2019. Em Ontário, o atendimento de emergência (ou internações) decorrente do uso de Cannabis aumentou cinco vezes entre adultos de meia-idade entre 2008 e 2021 —e mais de 26 vezes entre os maiores de 65.

“Isso não representa todo mundo que usa Cannabis“, alerta Daniel Myran, pesquisador do Instituto de Pesquisa em Saúde Bruyère, em Ottawa, e autor principal do estudo de Ontário. “Estamos capturando pessoas com padrões mais severos.”

Mas, como outros estudos já mostraram aumento do risco cardíaco em usuários de Cannabis com doenças cardíacas ou diabetes, “há vários sinais de alerta”, ele diz.

Por exemplo, uma proporção preocupante de veteranos idosos que usam Cannabis atualmente apresentam sinais de transtorno por uso da substância, segundo estudo recente do JAMA Open.

Assim como acontece com outros transtornos de uso de substâncias, essas pessoas “podem tolerar grandes quantidades”, explica a autora principal, Vira Pravosud, pesquisadora de Cannabis no Instituto de Pesquisa e Educação do Norte da Califórnia. “Continuam usando mesmo que isso interfira em suas obrigações sociais, profissionais ou familiares” e podem apresentar sintomas de abstinência ao parar.

Entre 4.500 veteranos idosos (idade média: 73) que buscaram atendimento nas unidades de saúde dos Veteranos, mais de 10% relataram uso de Cannabis nos últimos 30 dias. Destes, 36% atendiam aos critérios para transtorno por uso de Cannabis —leve, moderado ou severo —conforme estabelecido pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM).

Pacientes do sistema de saúde dos veteranos diferem da população geral, observa Pravosud. Eles têm muito mais chances de relatar uso de substâncias e apresentam “maiores taxas de doenças crônicas, deficiências e condições de saúde mental como TEPT”, que podem levá-los à automedicação, ela diz.

Atualmente, as diretrizes do Departamento de Assuntos dos Veteranos não exigem que os profissionais perguntem aos pacientes sobre uso de Cannabis. Pravosud acredita que isso deveria mudar.

Além disso, “há evidências crescentes de um possível efeito sobre a memória e a cognição”, afirma Myran, citando estudo de sua equipe sobre pacientes de Ontário com condições relacionadas ao uso de Cannabis atendidos em emergências ou internados.

O estudo mostra que, em comparação com outras pessoas da mesma idade e sexo que buscaram atendimento por outros motivos, esses pacientes (com idades entre 45 e 105 anos) têm 1,5 vez mais risco de receber um diagnóstico de demência em cinco anos, e 3,9 vezes mais risco que a população em geral.

Mesmo após ajustes para doenças crônicas e fatores sociodemográficos, os pacientes que buscam atendimento de emergência por uso de Cannabis têm 23% mais risco de desenvolver demência do que pacientes com outros problemas de saúde, e 72% mais risco que a população geral.

Nenhum desses estudos foi um ensaio clínico randomizado, os pesquisadores destacam; todos foram observacionais e não podem comprovar causalidade. Parte da pesquisa sobre Cannabis nem sempre especifica se os usuários estão fumando, vaporizando, ingerindo ou aplicando Cannabis topicamente. Outros estudos não trazem dados demográficos relevantes.

“É muito frustrante não podermos oferecer orientações individuais mais precisas sobre formas mais seguras de consumo e sobre quantidades consideradas de menor risco”, diz Myran. “Isso só evidencia que a expansão rápida do uso regular de Cannabis na América do Norte está superando o que sabemos a respeito.”

Ainda assim, considerando as vulnerabilidades de saúde das pessoas mais velhas e a potência muito maior dos produtos atuais em comparação com a maconha da juventude delas, ele e outros pesquisadores pedem cautela.

“Se você enxerga a Cannabis como um medicamento, deveria estar aberto à ideia de que há grupos que provavelmente não deveriam usá-la —e de que há efeitos adversos potenciais”, diz ele. “Porque isso é verdade para todos os medicamentos.”

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