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Já ouviu falar de Bobbie Goods? Se você usa TikTok (ou tem crianças em casa), provavelmente sim. São livros de colorir que viraram febre e fazem adultos voltarem a pintar, atividade que, para muitos, era restrita à infância.
A pintura, nesse caso, acaba sendo um momento de descompressão. Mas ela não é a única opção.
Hobbies têm um papel importante para manter o cérebro saudável: eles servem como estímulo e, ao mesmo tempo, relaxamento e desconexão.
Por que importa: essas atividades podem ajudar a reduzir o uso excessivo de tecnologia e oferecer ao cérebro estímulos variados na rotina.
Navegar nas redes sociais e montar um quebra-cabeça, por exemplo, são duas ações que podem gerar satisfação, mas de formas distintas.
A primeira traz uma resposta rápida de prazer, o que é chamado de felicidade heidônica, explica Ana Carolina Souza, neurocientista e sócia da Nêmesis, empresa de neurociência organizacional.
↳ É como comer um chocolate, ver um vídeo divertido no Instagram, fazer uma compra online… São ações que geram uma resposta aguda de prazer no cérebro, uma satisfação imediata.
“Se você só tem esse tipo de resposta, a tendência é que fique cada vez mais difícil sentir esse prazer. Então, você tem que fazer cada vez mais ou com mais intensidade”, diz Souza.
Do outro lado, montar um quebra-cabeça (ou ler um livro, cuidar das plantas, fazer tricô, pintar um quadro…) traz o que é chamado de felicidade eudaimônica, que envolve esforço para ser conquistada.
↳ São atividades em que você investe tempo, estratégia e dedicação.
“Sua resposta de dopamina não é rápida. Ela acontece no início e no final, e é preciso sustentá-la durante o processo. Essa simples diferença na resposta faz com que a gente tenha um equilíbrio bioquímico melhor”, afirma a neurocientista.
Se você quer ter bem-estar duradouro, como parte da rotina e não somente uma sensação passageira, é importante investir nessas respostas mais longas de prazer.
Além disso… Hobbies trabalham outros aspectos essenciais à saúde; veja como:
Promover vínculos e interações sociais
Atividades desse tipo geram engajamento social, que é um dos fatores protetores contra doenças neurológicas, como a demência, aponta Diogo Haddad, neurologista e head do Centro Especializado em Neurologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
“Não significa necessariamente estar com um monte de gente ao seu lado conversando. O hobby traz a característica de pertencimento a um grupo”, explica Haddad.
- Por exemplo: se você e um amigo gostam de cozinhar, podem fazê-lo juntos ou podem trocar receitas e dicas (o que também já fortalece vínculos e laços sociais).
Trabalhar concentração e atenção
Qual foi a última vez que você assistiu a um filme sem checar o celular? A capacidade de sustentar a atenção em uma única atividade pode ser estimulada com hobbies.
A concentração é uma habilidade que precisa ser treinada, segundo Ana Carolina Souza, e é afetada pelo uso excessivo da tecnologia.
- O contato com conteúdos audiovisuais curtos, engajantes e com pouca informação, como vídeos “brain rot” (entenda aqui), contribuem para a dificuldade em reter atenção.
“A pessoa perde uma série de habilidades que ocorrem a partir da ativação de uma grande região chamada córtex pré-frontal no cérebro, responsável por fazer a gente ser capaz de se concentrar voluntariamente em alguma coisa”, diz a neurocientista.
Exercitar a memória
É outra habilidade impactada pela tecnologia. Pense em exemplos cotidianos que mudaram nos últimos anos: não é preciso decorar números de telefone, endereços ou o caminho para chegar a algum lugar —está tudo em seu celular.
Isso não é necessariamente negativo, pontua Haddad. Usar a tecnologia para organizar seu dia pode garantir mais tempo e energia para realizar outras atividades.
O problema está em não exercitar a memória de outras formas. E atividades no tempo livre podem ajudar com isso, como fazer receitas de família, montar quebra-cabeças, fazer palavras-cruzadas, tricotar, jogar jogos de tabuleiro (se quiser ser bem literal, um jogo de memória).
“Tudo no cérebro tem que ser trabalhado. Você pode treinar para ter mais ou menos capacidade de autocontrole, mais ou menos capacidade de manter o foco, mais ou menos memória, mais ou menos empatia”, diz Souza.
Como encontrar seu hobby? Ter tempo livre para uma atividade diferente nem sempre é possível, seja por causa de trabalho, das tarefas domésticas ou do cuidado com a família. Mas especialistas dão dicas para quem quer buscar algo novo para a rotina:
1. Cuidado com tendências
Não é porque o outro faz que você precisa fazer também. As redes sociais nos colocam em contato constante com referências externas e amplificam tendências.
↳ Já teve aquela sensação de que, de repente, todo mundo começou a correr? Ou a pintar livros de colorir?
“Você sente que você precisa fazer aquilo porque todo mundo tá fazendo, mas não é todo mundo. Só parece que é”, explica Souza.
Então, a dica é trabalhar escolhas mais conscientes e voluntárias. Reflita: o que você gostaria de experimentar?
2. Resgate memórias e curiosidades
Tem alguma atividade da qual você gostava muito durante a infância? Ou algo que teve que parar de fazer por conta da rotina? Resgatar um hobby pode facilitar sua aderência a ele —afinal, você já tem uma certa afinidade com aquilo.
Buscar algo que você já teve vontade ou curiosidade de fazer é outro caminho. Assistiu às Olimpíadas e ficou curioso sobre como é a sensação de andar de skate? Taí uma atividade a ser testada.
3. Busque atividades acessíveis
Aqui não estamos falando somente de dinheiro. Principalmente no começo, você precisa facilitar seu acesso ao hobby. Não é preciso ter duzentas canetinhas para pintar, nem frequentar o melhor parque da cidade para correr.
“A prática em si, aquilo que você quer viver como desconexão e higiene mental, é mais sobre a experiência e menos sobre a infraestrutura que você montou para aquilo”, afirma Souza.
Tente acomodar a atividade na sua rotina e, depois que criar o hábito, você pode passar a investir mais esforço, tempo e dinheiro nela.
4. Saiba desistir e tentar de novo
Acrescentar uma atividade na rotina não é fácil, principalmente se ela reduzir seu tempo nas redes sociais e telas. O cérebro fica buscando um escape, quer voltar ao que é fácil e entrega prazer imediato, de acordo com Souza.
Por isso, é importante ir aos poucos e sem pressão. Começou a ler um livro e não gostou? Troque para outra leitura. Fez uma aula de cerâmica e achou ruim? Não precisa ir de novo. Vá fazer outra atividade, mas não deixe de experimentar.
“Mais cedo ou mais tarde, você vai achar alguma coisa que cabe na sua rotina, que te traz prazer. E aí você vai ter o seu momento de higiene mental, de desconexão”, diz a neurocientista.
O que você precisa saber
Notícias sobre saúde e bem-estar
Medicamento para obesidade. A Anvisa aprovou o Mounjaro (tirzepatida), comercializado no Brasil pela farmacêutica Eli Lilly, para o tratamento de sobrepeso com comorbidades ou obesidade. Até então, o uso do remédio no Brasil era restrito ao tratamento do diabetes tipo 2.
Demência no Brasil. Cerca de 80% dos casos da doença no país estão sem diagnóstico, taxa muito mais alta em relação a de países desenvolvidos. Os dados são de um relatório do Economist Impact, braço do grupo britânico The Economist Group.
Sinais precoces do Alzheimer. Um estudo brasileiro publicado na revista Nature Communications identificou biomarcadores sanguíneos que podem tornar mais acessível o diagnóstico da doença e outras formas de demência. A partir do exame de sangue, pesquisadores investigaram marcadores que poderiam indicar alterações no cérebro em idosos.