Página Inicial Saúde Sharenting: postar fotos dos filhos prejudica as crianças – 08/07/2025 – Equilíbrio

Sharenting: postar fotos dos filhos prejudica as crianças – 08/07/2025 – Equilíbrio

Publicado pela Redação

Foi-se o tempo em que fotos e vídeos que pais fazem de seus filhos são vistos apenas por membros da família. O compartilhamento desses registros nas redes sociais é um fenômeno que até ganhou nome em inglês: “sharenting”, termo que une as palavras share (compartilhar) e parenting (parentalidade).

Apesar de bem-intencionada, a prática oferece riscos éticos, emocionais e legais para as crianças, que ainda não têm condições de consentir com a própria exposição.

É o que aponta uma pesquisa brasileira conduzida por estudiosos da UniCesumar, no Paraná, publicada na revista Bioética. Os autores conduziram uma revisão da literatura científica, a partir de 73 artigos publicados entre 2016 e 2023, e traçaram um panorama preocupante sobre os impactos dessa exposição precoce no desenvolvimento infantil.

Esses impactos foram organizados em quatro eixos: privacidade e segurança digital; implicações psicológicas e culturais; dinâmicas sociais e familiares; e resposta social e legal.

A privacidade, segundo o estudo, está sob ameaça desde o nascimento. O compartilhamento de dados como data de nascimento e até condições médicas cria uma identidade digital que pode perdurar para sempre, mesmo que os pais se arrependam e apaguem o conteúdo.

De acordo com o sociólogo Lucas França Garcia, que orientou o estudo, o interesse pelo tema surgiu a partir de discussões em sala de aula.

“Decidimos estudar, por meio de uma revisão de literatura, esse fenômeno já conhecido como sharenting e oversharenting. A ideia é conscientizar e contribuir com a prevenção e compreensão da temática no contexto nacional”, diz Garcia.

Impactos na saúde mental

Já é comum crianças e adolescentes relatarem constrangimento e desconforto com postagens feitas por seus pais. “Os sentimentos de frustração e vergonha, aliados à frequente percepção de incapacidade quanto à mudança do cenário em questão, são extremamente presentes entre crianças e adolescentes. A autoestima é impactada pela publicação de fotos e eventos considerados negativos para essas crianças, o que pode repercutir em bullying e constrangimento”, comenta Sophia Ivantes Rodrigues, estudante de psicologia e autora do estudo.

“Além disso, a exposição precoce cria uma identidade online que nem sempre corresponde ao que a criança realmente é ou deseja ser”, complementa o orientador.

A psicóloga Ana Lúcia Karasin, do Espaço Einstein de Saúde Mental, do Einstein Hospital Israelita, também observa a complexidade dos efeitos emocionais a longo prazo do sharenting sobre os pequenos.

“A exposição digital precoce, mesmo quando bem-intencionada, pode interferir diretamente na construção da identidade, no senso de privacidade e na percepção de segurança emocional dos filhos. Quando essa exposição envolve conteúdos íntimos, os impactos tendem a ser ainda mais significativos, especialmente na adolescência”, afirma.

Para a psicóloga Bianca Batista Dalmaso, também do Einstein, o estudo mostra o contraste entre os benefícios percebidos pelos pais —como apoio emocional e validação —e os riscos muitas vezes invisíveis.

“O compartilhamento excessivo da vida privada pode gerar impactos diretos e indiretos no desenvolvimento socioemocional. Pode atrapalhar a construção do conceito de si sem a interferência da opinião ou julgamento dos outros”, avalia Dalmaso.

Dinâmica familiar

A pesquisa brasileira mostra que o sharenting afeta a dinâmica familiar de forma ampla. Conflitos entre pais e filhos e até entre avós e pais —no chamado grand-sharenting —tornam-se frequentes.

“O vínculo entre pais e filhos encontra diversas problemáticas frente ao sharenting, como conflitos intergeracionais e distanciamento emocional. Quando pedidos de remoção de conteúdo não são atendidos, a confiança entre os membros da família pode ser abalada”, diz Garcia. Ele ressalta também que a tentativa dos filhos de educar os pais digitalmente costuma ser recebida com resistência, pois os adultos se sentem desautorizados.

Na visão da psicóloga Ana Lúcia Karasin , o sharenting pode revelar mais sobre as necessidades emocionais dos pais do que sobre os próprios filhos. “Em diversos casos, a exposição da criança nas redes sociais serve como uma forma de afirmação pessoal dos adultos ou ainda para expressar afeto, demonstrar competência parental ou buscar validação social.”

Crianças com condições médicas ou transtornos mentais estão ainda mais vulneráveis. “A identidade online dessas crianças muitas vezes gira em torno da sua condição, o que compromete ainda mais sua autonomia no futuro”, pontua Lucas Garcia.

Como evitar?

Uma dica é os pais se perguntarem sobre suas reais motivações antes de postar qualquer coisa sobre os filhos. “Essa publicação respeita a individualidade do meu filho ou revela mais sobre minhas próprias carências?”, propõe Karasin.

“É essencial lembrar que as postagens na internet permanecem. Assim, imagens e informações compartilhadas hoje podem ser resgatadas em contextos diversos, com consequências emocionais e sociais duradouras.”

Bianca Dalmaso sugere um exercício de empatia. “A dica de ouro para saber se o compartilhamento se encontra excessivo ou não é compreender se aquela postagem respeita a individualidade a criança. Se essa postagem fosse sobre mim, eu me sentiria confortável ou exposto? Muitas vezes, o desejo de mostrar que se é um bom pai ou mãe ultrapassa os limites do respeito à criança.”

Em termos jurídicos, o sharenting ainda é um desafio. Há avanços em alguns países —na França, filhos podem processar os pais por postagens antigas; a União Europeia assegura o “direito ao esquecimento”; nos Estados Unidos, há uma regulação para o uso de dados infantis por empresas. No Brasil, embora o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) ofereça diretrizes, ainda falta regulamentação específica.

O estudo brasileiro destaca a urgência de políticas públicas e ações educativas que promovam o uso consciente das redes sociais por pais e cuidadores.

“A educação digital é essencial para um caminho mais promissor. São necessários o consentimento e a colaboração de reguladores, educadores, pediatras e demais profissionais. A consciência dos impactos do sharenting, aliada à educação digital, pode reduzir a prática e seus danos”, conclui Garcia.

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