Página Inicial Saúde Site cria ‘corridas falsas’ para apps de exercício – 04/06/2025 – Equilíbrio

Site cria ‘corridas falsas’ para apps de exercício – 04/06/2025 – Equilíbrio

Publicado pela Redação

Arthur Bouffard, como ele mesmo admite, sempre gostou de se aventurar em uma brincadeira que confunde os limites entre tecnologia e realidade. E ele encontrou um ponto ideal ao revelar seu mais recente projeto este mês.

Aos 26 anos, ele criou um site chamado “Fake My Run”, e o descreve como “um verdadeiro marco na inovação tecnológica preguiçosa”. Exatamente como anunciado, o site abriga um programa que produz, com detalhes precisos como rotas mapeadas, corridas fraudulentas que os usuários podem enviar para serviços de monitoramento de exercícios online, como o Strava.

Quando Pedro Duarte, chefe de marketing de uma empresa de software, republicou um vídeo de 42 segundos de Bouffard no X (ex-Twitter) que demonstrava a facilidade de uso do programa —e sua aparente desonestidade—, ele falou: “não acredite em nada, nem mesmo nas corridas das pessoas”.

E acrescentou: “É uma loucura, eu odeio e amo isso”.

Era exatamente esse o ponto. Bouffard, que mora em Haia, na Holanda, onde trabalha como desenvolvedor de realidade aumentada, quer que as pessoas se sintam em conflito.

“É tudo muito irônico”, completa.

Como um corredor ávido, Bouffard é familiarizado com certas tendências na comunidade de corrida —algumas mais perniciosas do que outras. Ele nota, por exemplo, com que frequência as pessoas corriam maratonas e imediatamente pegavam seus celulares para postar os resultados em plataformas como o Strava —porque se uma corrida não existe no aplicativo ou nas redes sociais, é como se ela nem existisse.

Pior ainda, Bouffard ainda notou uma tendência de pessoas que contratam as chamadas “mulas” do Strava para fazerem suas corridas como forma de ganhar influência online sem esforço físico algum. (Sim, isso é real.)

“Isso me fez pensar em como esse hobby se tornou cada vez mais performático”, completa Bouffard.

O que, ele se perguntava, teria acontecido com a corrida pelo prazer de correr, sem a necessidade de validação externa? E, à sua maneira profundamente subversiva, seu site sugere alguns dos maiores desafios que se enraizaram em meio à rápida disseminação de tecnologias como a inteligência artificial: se as pessoas estão dispostas a fingir algo tão inofensivo quanto uma corrida de fim de semana, o que mais podemos acreditar que seja verdade? Aparentemente, não muita coisa.

“Não quero que as pessoas pensem que estou apenas tentando causar problemas”, diz Bouffard. “Sinto que estou cutucando algo muito real. Mas também entendo por que as pessoas estão interpretando isso de forma errada.”

A Strava não é fã do trabalho de Bouffard. Brian Bell, porta-voz da empresa, afirmou em um comunicado que a plataforma de corrida “já havia tomado medidas para excluir atividades e banir contas que usam o Fake My Run”. Embora Bell tenha se recusado a especificar como o aplicativo conseguiu detectar essas contas, Bouffard tem uma teoria.

“Acho que eles estão usando IA para analisar atividades suspeitas”, afirma o desenvolvedor.

Bouffard, que cresceu em Paris, tem um emprego fixo criando “experiências digitais imersivas” para clientes —como filtros para jogos, ações de marketing e caças ao tesouro virtuais. Mas ele também tem projetos pessoais. Depois de identificar uma vulnerabilidade em um serviço de compartilhamento de bicicletas com sede na França, ele criou um site que permitia aos usuários monitorar a localização dos equipamentos em toda a rede do serviço.

“Eles deixaram o sistema aberto sem perceber que era possível usar isso para rastrear os movimentos de outras pessoas, o que poderia ser problemático”, diz. “Acho que podem ter feito algumas correções desde então.”

Fake My Run foi criado na mesma linha, como um bem social —mais ou menos— em uma embalagem irreverente. Pense nisso, talvez, como uma arte performática ao estilo de Banksy.

No início deste ano, quando Bouffard importou suas atividades de corrida do Runkeeper, outra ferramenta de monitoramento de condicionamento físico por GPS, para o Strava, ele percebeu que podia editar os arquivos individuais —que incluíam informações como dados de GPS, frequência cardíaca e ritmo médio. Também percebeu que as pessoas estavam pagando por “mulas” do Strava quando essas atividades poderiam ser mais facilmente inventadas.

“Talvez eu possa produzir algo que zombe de toda essa indústria”, diz.

Logo Bouffard tinha um site funcional, onde os usuários podiam criar uma rota, gerar um arquivo GPX com dados detalhados e baixá-lo “com apenas um clique”. Quando o desenvolvedor testou a eficácia do programa por si mesmo, recebeu comentários dos amigos quase imediatamente.

“Eles perguntavam: ‘Por que você está correndo na Antártida?'”, lembra.

Mais de 200 mil pessoas visitaram seu site desde sua criação e cerca de 500 compraram “tokens” para gerar corridas falsas, diz Bouffard.

“Muito mais do que eu esperava”, afirma, rindo.

Ele cobra uma pequena taxa, a partir de US$ 0,42 (cerca de R$ 2,37) por download de arquivo. Mesmo assim, ele diz não considerar isso um “empreendimento comercial”.

Plataformas como a Strava são formas populares utilizadas por muitas pessoas para monitoramento de rotinas de exercícios. Algumas pessoas também afirmam que aplicativos como este as ajudam a manter uma responsabilidade com atividades físicas. Mas problemas podem surgir com a competitividade demasiada —quando os usuários flertam com lesões ao se exercitarem intensamente em tentativas imprudentes de superar amigos ou chegarem ao topo dos placares de líderes da plataforma.

Como era de se esperar, alguns usuários recorreram a atalhos, como alugar mulas ou andar de bicicleta elétrica para completar suas jornadas em tempo recorde. Extremo? Claro. Mas acontece.

Cliff Simpkins, 50 anos, de Washington, nos Estados Unidos, afirma que o site de Bouffard repercutiu nele por causa das experiências de sua família com o Duolingo, o programa de aprendizado de idiomas. Seus três filhos recorreram a aulas de inglês para melhorar suas classificações antes de perceberem que era algo bobo e contraproducente.

“Foi um momento de aprendizado sólido para as crianças quando elas perceberam o quanto iriam ‘competir’ pela gamificação, abandonando completamente a experiência de aprendizado”, diz Simpkins, que trabalha com marketing para desenvolvedores. “Adoro o espírito original de conexão e de ajudar a apoiar os outros, mas parece que isso pode ficar feio rapidamente.”

Duncan McCabe, contador de Ontário, no Canadá, que se autodenomina um entusiasta da “arte Strava”, diz se entristecer ao ver pessoas postando treinos falsos no aplicativo. No ano passado, McCabe, de 32 anos, transformou cerca de 120 corridas ao longo de 10 meses em uma animação de 27 segundos de um boneco de palito correndo pelas ruas de Toronto.

“O esforço impraticável empregado na criação da arte é o que a torna interessante”, completa. “Sem o esforço físico, é apenas um Etch-A-Sketch digital.”

Por usa vez, Bouffard diz manter sua conta no Strava livre de atividades fraudulentas. (Ele tem uma conta reserva para fins criativos.) O desenvolvedor esclarece ainda que seu site era exclusivamente para “fins de entretenimento” e que não queria que as pessoas publicassem atividades enganosas.

“Você nunca sabe se eles vão lançar um algoritmo amanhã e pegar todo mundo”, diz ele. “Não posso ser responsável por isso.”

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