O STF (Supremo Tribunal Federal) deu início nesta quinta-feira (10) ao julgamento a respeito da lei de 2022 que obriga planos de saúde a arcarem com tratamentos fora da lista de referência da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).
A discussão afeta milhões de usuários de planos. A lista da ANS estabelece a cobertura assistencial mínima a ser garantida pelos planos privados. É chamada de Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde.
A sessão no STF ouviu apenas as sustentações orais, ou seja, as defesas das partes e interessados no tema. A segunda etapa, com o voto do relator Luís Roberto Barroso e dos demais ministros, será marcada posteriormente.
Pela organização do julgamento, o presidente do STF e relator da ação leu o relatório e na sequência passou a palavra às manifestações dos advogados.
A ação foi apresentada pela Unidas (União Nacional das Instituições de Autogestão Em Saúde), que representa operadores de saúde sem fins lucrativos.
A autora teve 15 minutos de fala, assim como a AGU (Advocacia-Geral da União) e a PGR (Procuradoria-Geral da República). As entidades admitidas no processo tiveram 5 minutos cada.
Barroso admitiu 14 interessados, como a Defensoria Pública da União, a Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa), a Unimed do Brasil, a Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde) e a Apepi (Apoio a Pesquisa e Pacientes de Canabis Medicinal).
A Unidas pede a derrubada de parte da lei de 2022 que reconheceu a cobertura para tratamentos não previstos na lista da ANS, responsável por regular o setor, desde que sua eficácia seja comprovada cientificamente.
A prescrição também tem de obedecer às recomendações da Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde) ou de órgãos de avaliação de tecnologias em saúde de renome internacional.
O advogado da Unidas Luis Inácio Adams afirmou que apesar de a ANS ter 180 dias para fazer inclusões na lista, quando há a recomendação da Conitec, a regra interna é de 60 dias. “A dinâmica de análise vem em maior análise e presteza quando já parte do próprio órgão responsável”, disse.
De acordo com ele, são 63 milhões de pessoas usuárias de planos de saúde e 964 entidades privadas do sistema.
“O que se busca é, de fato, equilibrar a realidade. Existe o custo econômico para sustentar a coletividade. Na medida em que aumenta a incerteza, você reduz o espaço de proteção econômica de eventos de saúde necessários das pessoas que requerem aquele serviço. E, e ao aumentar o risco, tem que aportar aqueles recursos sobre os contribuintes. A pressão sobre o sistema é muito real”, afirmou.
Pela AGU, no entanto, Lyvan Bispo dos Santos afirmou que a lei questionada não afronta a autonomia da ANS e não desequilibra economicamente o setor. “Trata-se de uma opção legislativa válida e que confirma o interesse público, que é garantir uma prestação de saúde adequada”, disse.
A AGU defendeu, ainda, que a lógica da livre iniciativa sobre saúde deve levar em conta que são serviços de relevância pública sujeitos à regulação estatal.
Em nome do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, Alexandre Leal afirmou que defender que haverá um impacto econômico não é verdadeiro e não aconteceu. “As profecias não se concretizaram”, disse. O advogado afirmou que o rol sempre foi exemplificativo ao longo da história.
O Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) também defendeu que a lei questionada não apresenta inconstitucionalidade. De acordo com Walter de Moura, a saúde exige abordagens rápidas e o mercado na área tem risco inerente.
“Quem abre uma papeleta com um diagnóstico de doença rara não tem tempo para esperar. O pleito do rol taxativo é a tentativa de zerar o risco de um contrato que é de risco. A área é aberta, com risco”, disse.
A DPU (Defensoria Pública da União) seguiu a mesma linha e defendeu que os dispositivos não implicam em nenhuma violação, mas protegem o direito fundamental à saúde. “Já a pretendida taxatividade do rol é incompatível com a Constituição Federal e com tratados internacionais assinados pelo Brasil. O direito à saúde não pode ser limitado a uma lista fechada”, disse.
Ao representar entidades da área da saúde complementar, Carlos Eduardo Caputo Bastos disse ser natural que um caso como esse mobilize sensibilidade social, mas isso não deveria balizar o julgamento.
“Os espíritos se animam. Mas é preciso deixar claro que não está em discussão performance de operadoras de saúde, se teve lucro ou não. O que temos que ver é de quem é a obrigação da universalidade da saúde? É dever do Estado. Não do particular. O particular pode prestar serviço como pessoa privada, mas a saúde é suplementar”, afirmou.
A lei questionada foi aprovada pelo Congresso Nacional como reação a uma decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça), que meses antes tinha desobrigado operadoras de custear procedimentos não incluídos na lista. A primeira versão da lista foi editada em 1998 e, desde então, é atualizada periodicamente para incorporar novas tecnologias em saúde.
Até 2022, a Justiça vinha sendo, por mais de duas décadas, favorável a pacientes, a partir de demandas individuais levadas a diferentes instâncias contra negativas de atendimento.
No STJ, prevaleceu o entendimento de que o modelo mais restrito, o taxativo, protege os beneficiários dos planos de aumentos excessivos uma vez que a segurança jurídica dada às operadoras evita o repasse de custos adicionais.
Ao menos outras três ações foram apresentadas ao Supremo sobre o tema, mas sobre normas anteriores a 2022. Todas foram arquivadas em novembro daquele ano.
Nas ações, o Podemos, a Rede Sustentabilidade e o PDT (Partido Democrático Trabalhista) questionavam trechos das Leis 9.961/2000 e 9.656/1998 e da Resolução Normativa 465/2021 da ANS e pediam a declaração de inconstitucionalidade de qualquer limitação à cobertura dos planos de saúde.
No voto, Barroso afirmou que a Lei 14.454/2022 alterou a de 1998 e, assim, reconheceu a exigibilidade de tratamentos não previstos no rol da ANS. Para o relator, na ocasião, a norma deu ao debate uma solução legislativa, antes inexistente e, com isso, as ações perderam o objeto.
Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Luiz Fux, Alexandre de Moraes, Nunes Marques e André Mendonça acompanharam o entendimento.
Luiz Edson Fachin, Cármen Lúcia e os ministros aposentados Ricardo Lewandowski e Rosa Weber divergiram. No entendimento deles, as ações não perderiam o objeto porque a nova legislação não resolve sozinha a controvérsia.
Segundo Fachin, ela não revoga diretamente a norma da ANS nem orienta a atuação judicial. O ministro se manifestou para fixar que o rol de procedimentos e eventos em saúde fosse considerado meramente exemplificativo.
Para ele, a previsão de rol taxativo viola o direito constitucional à vida e à saúde integral, já que retira de cobertura novas doenças que podem surgir e gera discriminação indireta, com impacto diferenciado sobre a população com deficiência e ou com doenças raras e complexas.