Página Inicial Política Tancredo morreu por complicações de tumor benigno, diz médico que o tratou

Tancredo morreu por complicações de tumor benigno, diz médico que o tratou

Publicado pela Redação

Eleito pelo colégio eleitoral em janeiro de 1985, depois da reprovação pelo Congresso Nacional da Emenda Dante de Oliveira, que pedia eleições diretas para presidente, Tancredo Neves tomaria posse dois meses depois, marcando a volta do regime democrático ao país. A posse jamais aconteceu.

A saúde do presidente eleito já causava preocupação antes mesmo da eleição.

Durante a campanha das Diretas Já, entre 1983 e 1984, o político mineiro viajou o país embalado em um movimento que pedia a volta dos brasileiros às urnas para escolher um novo presidente.

Com dores abdominais, Tancredo escondia a gravidade do problema e evitava ir ao médico.

O jornalista Ricardo Kotscho cobriu de perto o movimento e relembra um episódio.

“Teve um dia, em Belém do Pará, no Sírio de Nazaré, eu pensei comigo: ‘Como o Tancredo (…), como que ele aguenta?’. E eu fui rápido pro hotel pra mandar a matéria. Terminei e desci pro bar do hotel pra tomar um aperitivo, fim do serviço e estava ele sozinho, sentado numa poltrona lá. (…) Aí eu cheguei pra ele e perguntei ‘eu sou um pouco mais novo, né, eu to no bagaço, não aguento mais, da campanha, como é que o senhor aguenta?’ (E Tancredo respondeu) ‘Ah, meu filho, é muito simples. É vitamina p de poder”, conta o jornalista na série Tancredo Neves – 39 dias de agonia, exibida nesta semana no CNN Prime Time (assista acima).

Com o fim da campanha das Diretas Já, Tancredo Neves foi o nome escolhido para disputar a Presidência do Brasil por uma eleição indireta, no Colégio Eleitoral, tendo José Sarney como vice.

A chapa foi eleita em 15 de janeiro de 1985 e o estado de saúde de Tancredo piorava silenciosamente.

“Ele estava disputando não era a Presidência da República só. Ele estava disputando liderar a redemocratização do Brasil. Não é uma troca comum de presidente pra presidente. Era uma troca de regime.”, lembra então assessor de imprensa de Tancredo, Antônio Brito.

Com a posse marcada para 15 de março de 1985, Tancredo Neves chegou a participar de uma missa na catedral de Brasília, na noite anterior.

Ao chegar em casa, sentiu fortes dores e precisou ir para o hospital. Internado no Hospital de Base de Brasília, o neto dele, deputado Aécio Neves (PSDB-MG), lembra a preocupação do avô com a transição de regime.

“Ele só aceita se submeter a uma cirurgia quando meu primo, Francisco Dornelles, que seria ministro da Fazenda, diz a ele que o presidente Figueiredo havia concordado em passar o governo pro presidente Sarney, o que não era verdade, mas foi importante para que ele permitisse ali ser operado e nós achávamos que era uma recuperação que ocorreria rapidamente”, comenta Aécio Neves à CNN.

A posse aconteceu no dia planejado, apenas com José Sarney assumindo temporariamente. Dias depois, Tancredo Neves foi transferido para o Hospital das Clínicas, em São Paulo.

“O presidente Tancredo chegou numa situação grave e o que nós víamos era uma infecção sistêmica em cima de uma doença de base, que era o leiomioma, um tumor benigno que teve processo infeccioso e foi caminhando durante meses”, explica o médico infectologista David Uip, que integrava o corpo clínico que tratou Tancredo em São Paulo.

“A minha visão é que ele tinha esse tumor benigno que infectou e essa infecção”, complementa o médico.

Com 33 anos de idade na época, David Uip conta que a equipe tratou o presidente eleito com todos os medicamentos e procedimentos possíveis. O objetivo era encontrar o foco da infecção.

”Pra você ter ideia, a tomografia do presidente Tancredo foi uma das primeiras feitas em São Paulo”

David Uip, médico infectologista e membro da equipe que tratou Tancredo Neves

Com um quadro grave e com uma idade avançada, o infectologista considerava a situação bastante grave.

“Nós conseguimos antibióticos que não estavam disponibilizados no Brasil, fizemos isolamentos de bactérias que foram surpreendentes”, explica o infectologista.

“Nós lutamos pela vida dele com aquilo que nós tínhamos”, acrescentou.

Quatro décadas depois, David Uip fala sobre o diagnóstico do que matou Tancredo Neves.

“Ele teve infecção no pulmão, infecção sistêmica, foi exaustivamente tratado com vários antibióticos e o processo, a despeito disso, evoluiu para uma falência de múltiplos órgãos. (…) Eu assisti a autópsia. Ele tinha uma fibrose no pulmão, próprio de um homem de 75 anos que ficou sob suporte ventilatório muito tempo”, explica o médico.

Mesmo sem tomar posse, o político mineiro marcou a volta do regime democrático brasileiro, como lembra Heloisa Starling, “um dos traços mais fortes da trajetória do Tancredo é o compromisso com a democracia. Todas as vezes em que a democracia correu perigo, ele defendeu”, finaliza a historiadora.

Tancredo Neves morreu em 21 de abril de 1985, sem assumir a Presidência da República.

 

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