Um grupo de pessoas com autismo e esquizofrenia de Joinville, em Santa Catarina, encontram no teatro uma forma de conexão com a sociedade e com eles próprios.
Falantes, introspectivos, cordiais ou concentrados, todos têm em comum o prazer de estar entre amigos e ter um propósito. É assim desde 2021, quando o grupo Louco é Pouco foi formado.
Eles já estrearam uma peça, “O que você sabe sobre mim?”, em novembro do ano passado, fizeram diversas apresentações e preparam um documentário.
A turma reúne integrantes da oficina de teatro do Serviço Organizado de Inclusão Social (SOIS), da Secretaria Municipal de Saúde de Joinville, em parceria com o Programa de Formação Cultural Arte para Todos (IMPAR).
Dos dez atores, sete têm transtornos mentais (esquizofrenia, depressão) e três têm características no campo da neurodiversidade, como o autismo.
Cristiane Klug, 45, tem esquizofrenia. Já foi professora e, desde 2018, faz teatro, o que lhe permite um “respiro” para os conflitos familiares.
Ela conta que o encontro semanal com os colegas de cena, as brincadeiras e atividades propostas melhoraram seu convívio com as pessoas. “Antes, eu só brigava em casa, tinha muita discussão com os vizinhos. Era nervosa, levava tudo a ferro e fogo. Não fazia nada e as pessoas pensavam por mim. Hoje, não me incomodo mais.”
Paulo André Mendonça da Silva, 53, destaca que as amizades são o que de mais valioso o teatro lhe trouxe. Isso e ocupar-se, o que, junto com os remédios, mantém a esquizofrenia sob controle. A doença deu os primeiros sinais após o envolvimento de Paulo com as drogas, na adolescência.
Depois, vieram a morte da avó, com quem vivia, os conflitos com a nova companheira do pai e a solidão de morar sozinho. Então, uma janela de novas relações se abriu quando ele aderiu às atividades do SOIS e ingressou no teatro. “Isso preenche a minha alma e o meu coração”, diz Paulo diz.
Os primeiros sintomas de esquizofrenia surgiram para Claus Janke em 1992. Ele se sentia observado e perseguido. Com o tempo, aprendeu a conviver com o transtorno. Em 2012, ingressou nas oficinas do SOIS e há dez anos se dedica ao teatro.
Hoje, aos 56 anos, sente que o pertencimento e a ocupação são os grandes ganhos trazidos pela arte. “Penso no quanto as pessoas que estão com a gente podem crescer e melhorar como seres humanos. Imagina um doente mental que fica trancado em casa vendo TV, como ele vai se sentir?”
Veterano do teatro joinvilense, o ator, diretor e professor Robson Benta criou o Louco é Pouco para estimular a continuidade de seus alunos do SOIS no fazer cênico. A maioria do elenco está com ele há cerca de uma década, mas, no início, eram pessoas sem muita vontade de experimentar a atividade artística e com tendência para a autorrejeição, conta.
“Eles têm problemas de se aceitar porque ouvem coisas ruins em casa, na rua. As outras pessoas ficam com medo e não escondem isso. Então eles ficam tristes e com o sentimento de não pertencimento”, afirma.
A timidez e a resistência em se mostrar vão sendo vencidos com jogos, brincadeiras e, principalmente, pelo círculo de amizade criado. “Percebo que eles amam o que fazem, as famílias também. Todos falam do grupo porque reconhecem no outro uma pessoa amiga”, diz Benta.
Tendo consciência de que a ressocialização é um desafio, o ator aponta que o importante é o processo, a organização, a seriedade e a cobrança. Assim, os resultados aparecem.
“A afetividade é mais exposta. Eles tomam a iniciativa de puxar conversa, de abraçar. Estão mais felizes com eles mesmos e se aceitando como são”, observa.
A psicanalista Clarice Steil Siewert corrobora a afirmação de Benta com a experiência adquirida não apenas no consultório e na sala de aula, mas também nos palcos, como atriz.
A arte, diz, é uma ferramenta poderosa, visto que está na gênese da reforma psiquiátrica brasileira e era usada por Nise da Silveira, médica que revolucionou o tratamento mental no país.
“O teatro é uma área de coletividade, de visibilidade importante. Práticas que englobam o teatro acabam gerando, além da expressão das características peculiares de cada um, a possibilidade de ver e ser visto e de poder socializar”, afirma Siewert.