Um novo estudo internacional publicado na revista The Lancet apontou uma combinação experimental de medicamentos que pode prolongar a vida de mulheres com câncer de ovário que já não respondem à quimioterapia padrão à base de platina.
A abordagem, ainda em fase de testes, aponta para um possível novo tratamento padrão para pacientes com câncer de ovário avançado que não responderam a tratamentos anteriores. A pesquisa envolveu centros de 14 países, inclusive o Brasil, e mostrou uma redução de 30% no risco de progressão do câncer e um aumento de quatro a cinco meses na sobrevida global das pacientes.
“Quando o tumor chega nesse estágio de resistência à platina, a sobrevida média gira em torno de um ano. No Brasil, conseguimos tratar a maioria dessas pacientes com quimioterapia padrão, mas as taxas de resposta são geralmente inferiores a 20%”, afirma Mariana Scaranti, líder nacional da oncoginecologia da Rede Américas e uma das duas autoras brasileiras do estudo.
Sabina Aleixo, diretora técnica do Hospital Evangélico de Cachoeiro de Itapemirim e do Instituto de Oncologia Sul-Capixaba, ambos no Espírito Santo, explica que o tratamento do câncer de ovário tem como base os quimioterápicos derivados da platina, como cisplatina e carboplatina.
“Esses medicamentos são usados desde a primeira linha de tratamento e também em recidivas. Dizemos que o câncer é resistente à platina quando volta a crescer em menos de seis meses após o fim da quimioterapia com esses medicamentos.”
Essa resistência representa um grande desafio, diz a médica, pois limita as opções terapêuticas e está associada a um pior prognóstico. A doença tende a se comportar de forma mais agressiva e menos responsiva aos tratamentos tradicionais, o que exige alternativas mais inovadoras —muitas vezes ainda com eficácia limitada.
A segunda autora brasileira do estudo, Aknar Calabrich, oncologista da Clínica AMO, na Bahia, destaca que o tratamento conseguiu retardar o crescimento da doença e melhorar a qualidade de vida. “Esse novo tratamento conseguiu aumentar a expectativa de vida dessas pacientes e retardar o crescimento da doença”, diz.
Outro ponto positivo observado no estudo, segundo Calabrich, foi a redução da ascite, acúmulo de líquido no abdômen, e da necessidade de paracenteses, procedimentos frequentes nessas pacientes para a retirada desse líquido com agulha ou cateter.
Foram avaliadas 381 mulheres no estudo: 188 receberam a nova combinação de medicamentos, enquanto o restante recebeu apenas o nab-paclitaxel, tratamento padrão nesses casos. A pesquisa foi realizada entre 5 de janeiro de 2023 e 8 de abril de 2024.
Os pesquisadores testaram se a combinação dos medicamentos relacorilant (ainda em fase experimental) e nab-paclitaxel seria eficaz e segura. O nab-paclitaxel atua diretamente contra as células tumorais, com menos efeitos colaterais que o paclitaxel convencional. Já o relacorilant bloqueia a ação do cortisol, hormônio que pode ajudar o tumor a resistir ao tratamento.
A ideia é que, juntos, os dois medicamentos superem a resistência do câncer à platina e aumentem a eficácia da quimioterapia, aponta Scaranti, que também é oncologista no Hospital Nove de Julho.
A sobrevida livre de progressão, tempo que a paciente vive com a doença controlada, também aumentou em cerca de um mês no grupo que recebeu a combinação. Na sobrevida global, houve um ganho de quatro a cinco meses em relação ao tratamento padrão. Os eventos adversos foram semelhantes nos dois grupos, incluindo anemia, fadiga e náuseas. Nenhum novo sinal de toxicidade foi identificado.
O estudo foi realizado em diversos centros de pesquisa brasileiros, o que, segundo Calabrich, é importante para ampliar o acesso de pacientes a tratamentos pioneiros. Ela destaca, no entanto, que ainda há um caminho até que a droga esteja disponível no país.
“Existe todo um trâmite agora por parte da indústria, das agências regulatórias, da parte comercial, que precisa ser seguido. Realmente demora um pouco para chegar, por isso a importância da pesquisa.”
O relacorilant não está aprovado para uso em nenhum país. A expectativa é que a agência regulatória dos Estados Unidos avalie o pedido até o final de 2025, segundo nota divulgada pela Corcept, fabricante do medicamento, em março. No Brasil, o medicamento ainda não foi submetido à avaliação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Para Alexandre Silva e Silva, ginecologista da clínica Women’s Life, o estudo com o relacorilant traz uma nova perspectiva de tratamento ao potencializar a ação de agentes quimioterápicos sem aumentar significativamente a toxicidade.
“Esse tipo de abordagem pode beneficiar pacientes que já esgotaram opções convencionais. A tendência é termos, nos próximos anos, tratamentos mais individualizados, com base nas características moleculares de cada tumor, o que deve melhorar os resultados e a qualidade de vida das pacientes.”
O novo medicamento representa um avanço, mas o cenário do câncer de ovário resistente à platina ainda é desafiador, reforça Scaranti. “O ganho de cinco meses em sobrevida mediana é modesto, mas relevante diante das opções limitadas. Ainda temos muito o que fazer em pesquisa clínica para melhorar o cuidado dessas pacientes, mas isso mostra que há mais opções sendo testadas.”
O número estimado de novos casos de câncer de ovário no Brasil, para cada ano do triênio de 2023 a 2025, é de 7.310. O número corresponde a um risco estimado de 6,62 novos casos a cada 100 mil mulheres, segundo o Ministério da Saúde.
Sem considerar os tumores de pele não melanoma, o câncer de ovário ocupa a 19ª posição entre os tipos mais frequentes na população em geral. Nas mulheres, é o oitavo câncer mais incidente.