Página Inicial Saúde Treinamento inspirou série de relacionamento para autistas – 13/06/2025 – Equilíbrio

Treinamento inspirou série de relacionamento para autistas – 13/06/2025 – Equilíbrio

Publicado pela Redação

Trinta e seis horas depois de deixar a namorada em casa, Bradley Goldman estava em uma chamada de vídeo com sua coach de relacionamentos, contando os acontecimentos da noite.

Para começar, ele disse ao treinador que havia escolhido o local errado para alguém com TEA (transtorno do espectro autista) —um bar tão barulhento e estimulante que quase o fazia se sentir como se estivesse começando a se dissociar.

Goldman, um homem alto e esguio de 42 anos que trabalha como gerente de escritório, não havia decidido antes da data se mencionaria o diagnostico com autismo ou que estava sendo atendido por um coach. Ele preferiu desviar o assunto, até que se viu num beco sem saída.

“Tenho dificuldade em como revelar”, afirmou ele. “Devo dizer que sou ‘neuro-picante’? Ou ‘neurodiverso’? Ou devo revelar alguma coisa?”

Sua coach de relacionamentos, Disa Jean-Pierre, foi compreensiva: “Você pode simplesmente esperar que isso aconteça naturalmente depois de alguns encontros”, sugeriu ela. Goldman, então, refletiu sobre.

No entanto, o encontro bastante agradável, algo que ele atribuiu ao treinamento que recebeu de uma equipe de psicólogos do Instituto Semel de Neurociência e Comportamento Humano da UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles).

Durante o encontro, ele evitou “despejar informações” ou fazer muitas piadas sobre Jeffrey Dahmer, e observou atentamente a linguagem corporal de sua namorada para detectar se ela estava sinalizando abertura para um beijo de boa noite. (Ela estava.)

Os resultados de Goldman foram inseridos juntamente com os de outros 56 indivíduos em uma planilha denominada “atualizações do histórico de namoro”, parte de um ensaio clínico randomizado de três etapas. Nos próximos meses, pesquisadores da universidade explorarão os dados para identificar qual abordagem tem maior probabilidade de ajudar pessoas com autismo a encontrar o amor.

Para profissionais de saúde mental, fazer essa pergunta é algo novo. Vinte anos atrás, quando a psicóloga Elizabeth A. Laugeson, da UCLA, começou a desenvolver o Programa para a Educação e Enriquecimento de Habilidades Relacionais, para ensinar habilidades sociais a pessoas com autismo, “ninguém realmente queria tocar” no assunto de romance ou namoro, segundo ela.

“Este foi o estudo para o qual não consegui financiamento”, diz Laugeson. “Todos estavam com um pouco de medo.”

Enquanto isso, a população com o diagnóstico aumentou, incluindo mais pessoas que vivem de forma independente, trabalham e frequentam a faculdade. É cada vez mais comum o diagnóstico aconteça na idade adulta, a partir da busca por ajuda em determinadas atividades diárias.

E as atitudes mudaram. Parte disso tem a ver com “Love on the Spectrum”, o reality show que acompanha adultos com autismo no mundo dos relacionamentos. O programa acabou se tornando um sucesso surpreendente para a Netflix nos Estados Unidos.

Cada vez mais, segundo Laugeson, as pessoas entendem que adultos com autismo podem querer romance e intimidade. A série “está meio que invertendo o roteiro e permitindo que eles falem por si mesmos”, afirma. “As dificuldades que os autistas enfrentam para encontrar o amor não são diferentes das de uma pessoa com desenvolvimento típico.”

Muitos dos participantes avaliados no estudo já estavam estabelecidos na escola ou no trabalho. Mas descreveram o namoro como uma área de particular dificuldade.

Grande parte da iniciativa oferecida pela UCLA se concentra em desenvolver o conforto na conversa —ou, como os instrutores chamam, na troca de informações. Uma habilidade fundamental é não entrar em pânico se houver silêncios prolongados.

Vinte anos atrás, pesquisas sobre as relações sociais de pessoas com autismo pintavam um quadro sombrio. Em 2004, um estudo com adolescentes e adultos que moravam em casa constatou que 46% não tinham nenhum relacionamento com colegas fora de ambientes pré-estabelecidos; uma meta-análise de 2012 constatou que apenas 14% dos adultos com autismo eram casados ou mantinham um relacionamento íntimo de longo prazo.

Mas essas tendências estão mudando, em parte porque um número maior de pessoas está recebendo o diagnóstico. Em 2023, quando pesquisadores da Universidade de Boston examinaram dados de 220 mil estudantes universitários norte-americanos, descobriram que 24% daqueles com autismo tinham um parceiro, em comparação com 46% dos alunos não autistas.

Laugeson sabia, por meio de seu trabalho com adolescentes autistas, que eles se interessavam por relacionamentos, mas seus esforços para expressar sentimentos românticos eram frequentemente mal interpretados. Os pais, segundo ela, frequentemente lhe contavam a mesma história: o filho adolescente se apaixonava por um atendente e logo parava oferecendo “contato visual excessivo” ou “aquele sorriso largo e de dentes à mostra”.

Quando buscou financiamento para pesquisas empíricas sobre relacionamentos, Laugeson descobriu que seus apoiadores institucionais ficaram em silêncio. Os pais pareciam nervosos com o projeto, mesmo que seus filhos fossem adultos. Ao explorar os motivos, ela frequentemente ouvia “preocupações com a segurança sexual, coisas como agressão sexual”.

Em 2018, Laugeson teve sua chance. Ela foi abordada por Cara Gardenswartz, uma psicóloga clínica de Los Angeles cujo filho adolescente havia se beneficiado com um dos treinamentos da UCLA, e que lhe ofereceu, pela primeira vez, financiamento suficiente para criar um curso completo sobre namoro.

À medida que um movimento se desenvolve em torno dos direitos civis e da igualdade para pessoas neurodiversas, alguns defensores criticam o treinamento de habilidades sociais por encorajar autistas a agirem como se não fossem, uma prática às vezes descrita como mascaramento.

“As aulas de habilidades sociais dizem o que fazer, mas isso é como vestir uma fantasia”, afirma Karen Lean, 48 anos, especialista em tecnologia da informação que foi diagnosticada com autismo aos 30 anos. Durante anos, ela estudou e imitou esses comportamentos, e o esforço, segundo ela, a deixou exausta e alienada.

Agora, Lean trabalha como instrutora de Relacionamentos Saudáveis no Espectro do Autismo, um curso on-line que inclui módulos sobre questões como limites e términos —mas evita habilidades sociais, que, segundo ela, funcionam principalmente para deixar outras pessoas à vontade.

“Nenhuma quantidade de treinamento ou exercício de habilidades como o contato visual resolverá o problema de se sentir ansioso, sobrecarregado sensorialmente ou desconfortável com o próprio corpo”, diz. “Há uma série de coisas que não podem ser resolvidas tentando injetar em uma pessoa uma lista de coisas a fazer para deixar os outros confortáveis.”

Os membros da equipe do treinamento da UCLA, cientes do discurso em torno do “mascaramento”, iniciam cada aula com um “compromisso neuroafirmativo”, destacando o valor da autenticidade e enfatizando a escolha individual. Eles tomam o cuidado de evitar caracterizar comportamentos como bons ou ruins, preferindo usar termos como “socialmente útil” e “socialmente arriscado”.

Os participantes não estavam preocupados com o tal uso de máscaras. Os coaches disseram, no entanto, que alguns chegaram com cicatrizes tão profundas da rejeição social que um pequeno aumento de confiança já mudou suas vidas.

Samara Wolpe, bolsista de pós-doutorado no laboratório do programa, se lembra de um participante —ainda na casa dos 20 anos— que a abordou para perguntar, como ela mesma diz: “Será que já estou longe demais para aprender isso? Já estou muito distante da sociedade? Posso voltar para lá? É tarde demais para mim?”

Ela afirma ter tranquilizado o participante dizendo que não. Mas ele estava cético. Morava com os pais. Suas roupas e cabelos estavam desgranhados e ele sabia disso. “Mas essas coisas têm conserto”, disse Wolpe.

Na quinta-feira seguinte, ele apareceu com um novo corte de cabelo e novidades: havia dado match com uma mulher em um aplicativo. E a havia convidado para sair.

“Ele precisava de alguém que dissesse que isso era possível para ele”, completa Wolpe.

Estimasse que tenham tido encontros durante o treinamento cerca de metade e três quartos dos participantes do curso. Todos serão submetidos a uma bateria de testes psicológicos —dentre eles o Teste de Habilidades para Namoro, a Escala de Ansiedade em Namoro e a Escala de Solidão Social e Emocional para Adultos— em três momentos para avaliar como a experiência foi, de fato, transformadora na condição. Os resultados devem ser publicados no próximo ano.

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