Existe uma tática de sedução que a escritora Melissa Febos usa chamada “o olhar” —uma forma de olhar para alguém com intensidade suficiente para fazê-lo sentir o peso de sua atenção. Ela usava isso quando trabalhava como dominatrix em seus 20 e poucos anos. Usava também quando servia mesas, dependendo das gorjetas para sobreviver. Às vezes errava, mas quanto mais praticava, mais acertava.
Ela tem estado “emocionalmente obcecada” por alguém, contou-me recentemente, desde os 15 anos. Isso era um problema?
Não parecia ser, até um relacionamento particularmente catastrófico. Já na casa dos 30, Febos contou que havia se perdido em um caso amoroso, afastando-se da família e dos amigos. Quando terminou, ela sabia que precisava ficar sozinha.
Mesmo assim, continuava caindo em envolvimentos, um após o outro. O padrão era quase sempre o mesmo: flerte, intimidade rápida, sexo. Dizia a si mesma que estava apaixonada. Então, estranhamente, a química desaparecia. Ela começava a sentir uma distância alienante. Acabava fazendo coisas apenas para agradar o outro. Por fim, terminava.
Em 2016, Febos fez um voto de celibato. Ex-viciada em heroína, conhecia bem os passos da recuperação. “O amor é a droga e eu preciso de uma dose”, cantava Bryan Ferry em 1975; Febos se via num lugar semelhante. Estabeleceu algumas regras: nada de sexo, nada de encontros — mas a masturbação era permitida.
“The Dry Season“ (“A Estação Seca”, ainda não disponível em português), novo livro de memórias de Febos, narra os 90 dias em que ela permaneceu abstinente, seguidos pelos 90 seguintes, que eventualmente se transformaram em um ano.
“A privação está no centro do que Melissa escreve, mas a textura do livro não é essa”, diz Leslie Jamison, escritora e amiga de Febos que leu um rascunho inicial. “Há muito prazer, muita plenitude e vitalidade.”
O tema de Febos é a solitude, mas não a solidão. O prazer, mas não o sexo. Ela escreveu, reencontrou amigos, fez exercícios, viajou, leu. Durante tudo isso, levantou uma pergunta potencialmente radical: e se tudo o que uma mulher precisa para ser feliz for ela mesma?
“Aquele ano foi um dos melhores da minha vida”, ela me disse em várias ocasiões. Também o descreveu como o “mais erótico”.
Numa tarde recente, no fim de abril, Febos, hoje com 44 anos, me buscou em seu Volvo SUV preto, usando uma camiseta branca, calça jeans preta capri e tênis. Tocava Big Thief no som enquanto dirigíamos por uma estrada cercada de árvores em direção ao Iowa Raptor Project, nos arredores de Iowa City, um santuário para aves de rapina que não podem mais viver na natureza.
Quando chegamos, Spirit, uma águia-careca, estava comemorando seu aniversário. Dois abutres observavam a multidão. Febos cumprimentou calorosamente um falcão quiriquiri, uma ave pequena que cabia na palma de sua mão.
“Acho que gostaria de ser um quiriquiri”, diz. “Acho que é assim que as pessoas me imaginam depois de me lerem. Mas sou mais como um guaxinim. Sabe, revirando seu lixo. Quando você acende a luz, eles levantam as patinhas.”
Febos tem um lado extremo. Em Massachusetts, onde cresceu, largou o ensino médio porque achava que era mais inteligente que os professores. Logo depois, viciou-se em heroína. Era uma corredora obsessiva, fazendo mais de 10 milhas por dia, até descobrir, em 2021, que havia rompido um disco da coluna no ano anterior. Um médico descreveu a lesão como “um donut de geleia esmagado”.
“Eu poderia ficar viciada em salada de beterraba e ainda assim isso arruinaria minha vida”, diz ela.
Ficar celibatária, ela reconhece, foi outro extremo. Mas o mais difícil não foi ficar sem sexo — foi “encarar a história mais verdadeira de quem eu amei. Abrir mão da minha própria narrativa em favor de uma versão mais honesta e humilde.”
Ultimamente, o celibato tem sido um assunto em alta. Celebridades como Tiffany Haddish e Lenny Kravitz disseram estar intencionalmente abstinentes, esperando pela pessoa certa. Em maio passado, a socialite nova-iorquina Julia Fox escreveu: “2,5 anos de celibato e nunca estive melhor, sendo bem sincera.” Após a reeleição de Donald Trump em novembro, o TikTok explodiu com jovens mulheres jurando abstinência sexual, muitas em solidariedade a um movimento feminista radical da Coreia do Sul chamado 4B.
Febos se identifica como queer e diz que, em grande parte, opera dentro de moldes heterossexuais de amor e parceria. Nunca teve a intenção de que seu livro sobre essa experiência — agora quase uma década no passado — fosse tão atual. Mas não seria a primeira vez que Febos capturaria o espírito feminista do momento.
Em 2021, Febos lançou seu terceiro livro, “Girlhood” (Adolescência), uma coletânea de ensaios sobre a adolescência feminina, baseada em entrevistas com dezenas de mulheres, além de teoria acadêmica e experiências pessoais. De um ensaio para outro, ela transita de, por exemplo, uma memória íntima de masturbação na banheira na adolescência à teoria do “estágio do espelho” de Lacan, em um mosaico cuidadosamente estruturado de sentimentos e pensamentos.
O livro foi publicado ao fim do movimento #MeToo, quando o fenômeno das “girl bosses” e do feminismo corporativo começava a ruir. Nele, a palavra “patriarcado” aparece 13 vezes.
Sobre isso, Febos deu de ombros: “Se ainda precisa ser escrito tanto por mim ou por qualquer outra pessoa, acho que ainda é um problema.”
Inicialmente, Febos achava que seria romancista. Após abandonar o ensino médio, concluiu a graduação na The New School e foi aceita no programa de mestrado em escrita criativa da Sarah Lawrence.
Num workshop, em 2005, ao receber a tarefa de escrever sobre sua vida, viu as palavras simplesmente fluírem. “Foi a escrita mais rápida que já fiz”, lembra. “E eu sabia que era boa.”
Esse texto virou seu primeiro livro, Whip Smart, publicado em 2010, que narra seus 3 anos e meio trabalhando como dominatrix enquanto tentava ficar sóbria. Desde então, além de Girlhood, publicou uma autobiografia sobre a redescoberta de seu pai biológico, de ascendência Wampanoag (Abandon Me), e um livro sobre a arte da escrita, também profundamente pessoal (Body Work).
Ela mesma se surpreende com o rumo de sua carreira. “Eu era uma profissional em guardar segredos”, diz Febos. “Mas me orgulho de me identificar como memorialista. É quase uma declaração política. Há tantos preconceitos em torno das memórias, especialmente as de mulheres que escrevem sobre sexo.”
Ao fim do seu período de celibato, algo inesperado aconteceu: ela se apaixonou. Poucos meses antes, Febos havia lido “Bestiary”, um livro de poemas da escritora Donika Kelly, em uma única sentada.
“Foi uma experiência sublime, como ver Safo pela primeira vez”, escreve Febos em The Dry Season. Kelly estava se divorciando, mas já conhecia a escrita de Febos. As duas começaram a trocar mensagens.
“Donika diz que eu invadi as DMs dela —e é verdade”, diz Febos.
Elas se beijaram pela primeira vez em 2017, durante a conferência da Association of Writers and Writing Programs, realizada naquele ano em Washington, D.C.
Tecnicamente, isso violava as regras. Mas como escreve Febos: “Eu havia feito uma escolha e vi o poder transformador da minha intenção.” A química entre elas, observou, simplesmente existia, como uma corrente irreprimível. Parecia inegável — e diferente, porque ela mesma era diferente.
Nancy Sowell, mãe de Febos, diz que o ano que a filha passou sozinha permitiu um processo de interiorização muito positivo. Através do experimento, Febos pareceu aprender que “você não precisa estar sempre na defensiva no mundo”, diz Sowell, terapeuta em Massachusetts. “Você pode deixar o coração aberto porque há alguém em casa, dentro de você, que te ama sempre.”
É um final feliz que não deveria ser o foco de The Dry Season, insiste Febos. No rascunho inicial, nem mencionava o romance com Kelly. Mas sua editora na Knopf, Vanessa Haughton, a incentivou a incluí-lo no livro.
“Fiquei pessoalmente escandalizada com isso”, diz Haughton. “Falei: ‘Melissa, você não pode esconder isso!’”
Febos e Kelly fugiram para casar em 2021, numa cerimônia íntima em Cape Cod. Kelly usava um terno azul; Febos, um vestido azul. Compraram um bolo de supermercado com cobertura escrita “WIVED” (“esposadas”) e saíram para jantar.
As duas fincaram raízes em Iowa, onde lecionam na Universidade de Iowa. No ano passado, compraram uma casa colonial com pisos de carvalho e molduras originais, e pintaram o exterior de azul-marinho escuro.
Kelly aparece com frequência nos livros de Febos, geralmente como contraponto — alguém capaz de atravessar as inseguranças e defesas da outra. Em Girlhood, por exemplo, aparece numa festa de afeto onde Febos praticava negar consentimento: “Donika se aproximou do meu ouvido e murmurou: ‘Você está fazendo algum trabalho emocional desnecessário?’”
Kelly diz que o celibato fez de Febos uma escritora melhor, permitindo que escrevesse “Girlhood” logo em seguida. “‘Whip Smart’ é um livro muito bom, mas tem essa postura meio dura”, ela me diz. “Tem uma casca mais grossa. Acho que o trabalho que ela fez em ‘Girlhood’ foi importante para entender: ‘OK, o que foi isso? O que eu estava carregando? E por que aquele ano foi tão bom?’”
“É na maioria das vezes uma bênção ser tão conhecida”, suspirou Febos. “Às vezes é irritante, mas na maioria das vezes eu adoro.”
Precisei perguntar a Kelly: ela já havia experimentado “o olhar”?
Sim, respondeu. “Uma vez — bem no início do início — ela me olhou de um jeito e eu pensei: ‘Não consigo lidar com isso. Não sou uma deusa. Não tenho capacidade para lidar com tanta energia.’ Apenas fechei os olhos.”