Uma pesquisa rápida em redes sociais sobre o uso de tadalafila por mulheres mostra diversas publicações com indicações do medicamento para aumento da libido sexual feminina, melhora da performance física e emagrecimento. Especialistas afirmam, no entanto, que faltam evidências que comprovem esses benefícios e alertam para efeitos colaterais, como dores de cabeça e problemas na visão.
A tadalafila é um medicamento utilizado para vasodilatação, ou seja, aumenta o fluxo sanguíneo em determinadas regiões do corpo, como pênis e pulmões. É mais usado para disfunção erétil masculina, quando o homem apresenta dificuldade ou incapacidade de alcançar ou manter uma ereção.
Na bula, o remédio também é indicado para hiperplasia prostática benigna (inchaço da próstata que pressiona a uretra e dificulta a passagem da urina) e hipertensão arterial pulmonar, condição que prejudica o fluxo sanguíneo nos pulmões e sobrecarrega o coração. Esta última é a única recomendação formal para o uso de tadalafila por mulheres.
Thiago de Melo, professor de farmacologia da Universidade Vila Velha, no Espírito Santo, diz que a tadalafila pode ser indicada para mulheres que sofrem com falta de orgasmos, mas não é a primeira opção de tratamento. O objetivo, nesses casos, é aumentar o fluxo sanguíneo na região clitoriana para potencializar o prazer.
O especialista conta que tem ouvido mais relatos de homens e mulheres que usam a tadalafila não só para melhora sexual, mas também para potencializar a performance física, com possível ganho de massa muscular e emagrecimento. No entanto, ele afirma que não há comprovações de que o medicamento apresente esses benefícios.
“Não há relatos claros de benefício para efeitos anabolizantes. Tem sido usado por profissionais da academia e esportistas amadores, mas não faz sentido nem para homens nem para mulheres”, diz.
Segundo Melo, o principal risco do uso de tadalafila por mulheres é a possibilidade de queda da pressão arterial, com tonturas e dor de cabeça, além de problemas relacionados à retina (camada do olho responsável por captar a luz e enviar sinais visuais ao cérebro).
“O uso indiscriminado da tadalafila pode causar coriorretinite, uma inflamação que afeta a retina e pode prejudicar a visão. Isso ocorre porque o medicamento inibe a enzima fosfodiesterase, que não está presente apenas no pênis, mas também na retina. Como resultado, a pessoa pode começar a ter visão turva ou escurecida”, explica.
Helga Marquesini, ginecologista do Hospital Sírio-Libanês, reforça que os estudos com tadalafila em mulheres ainda são poucos e heterogêneos, sem força suficiente para embasar uma recomendação médica clara.
Ela explica que, do ponto de vista anatômico, o clitóris tem estruturas semelhantes às do pênis —ambos possuem corpos cavernosos que se enchem de sangue durante a excitação.
“A lógica do uso da tadalafila seria aumentar esse fluxo, provocando uma ereção do clitóris, o que pode favorecer a excitação. Mas nem sempre a mulher percebe fisicamente essa resposta, mesmo quando ela ocorre, o que pode limitar o efeito da medicação”, afirma.
A ginecologista também destaca que a resposta sexual feminina depende de múltiplos fatores: biológicos, psicológicos e sociais. “Não é só o fluxo de sangue que importa. O desejo, a autoestima, a qualidade do relacionamento e até questões culturais influenciam muito a vivência da sexualidade.”
Marquesini lembra que existem alternativas com mais respaldo científico para tratar disfunção sexual feminina, como o uso de estrogênio vaginal em mulheres na menopausa.
“A tadalafila pode até ter um papel em alguns casos, mas não é a primeira linha de tratamento. E os efeitos colaterais, como dor de cabeça, tontura, náusea, congestão nasal e alterações visuais, podem ser mais incômodos do que os possíveis benefícios”, explica.
Em relação ao uso para melhora de performance esportiva, a médica observa que a vasodilatação provocada pela tadalafila pode, em teoria, melhorar a circulação e ajudar os músculos a funcionarem melhor durante o exercício, mas que ainda faltam evidências de que isso realmente se traduza em ganho de massa muscular ou rendimento físico maior.
A melhora da performance física após o uso de tadalafila pode ser associada ao chamado efeito placebo, aponta Thiago de Melo. Ao tomar o medicamento, a pessoa vai para a academia com a ideia de que terá um melhor rendimento e, assim, “engana o cérebro”.
“A gente espera que aquele medicamento esteja trazendo um enorme benefício, mas naquele dia a pessoa tomou whey protein e creatina, se hidratou, comeu e dormiu melhor, e atribui à tadalafila o desempenho superior”, afirma o professor.
Além dos possíveis efeitos no desempenho físico, também deve-se considerar os riscos cardiovasculares do uso não supervisionado da tadalafila. A cardiologista Eline Lôbo, especialista em emagrecimento e equilíbrio hormonal, explica que em combinação com outros remédios ou substâncias, o medicamento pode afetar o coração.
Embora o uso correto da tadalafila não ofereça risco cardiovascular direto, pessoas com fatores de risco, com doenças como diabetes ou obesidade, por exemplo, devem ter cautela. Nesses casos, segundo a médica, o ato sexual pode ser um esforço físico significativo, o que aumenta a chance de dor torácica e a necessidade de atendimento emergencial.
“O que preocupa é o uso indevido, especialmente em ambientes como academias, onde as pessoas podem combinar o remédio com outros estimulantes como cafeína em altas doses ou termogênicos. Essa mistura pode levar a problemas como taquicardia ou arritmias“, explica.
Mulheres podem usar Viagra?
A bula do citrato de sildenafila, conhecido comercialmente como Viagra, não apresenta indicação para mulheres. Assim como a tadalafila, o uso do medicamento por mulheres é considerado off-label (fora da bula).
Especialistas ouvidos pela reportagem afirmam que não há evidências científicas robustas que sustentem benefícios significativos do Viagra para a melhora da libido sexual feminina ou da performance física, e que os efeitos colaterais são os mesmos observados com a tadalafila.
“É importante lembrar que são medicamentos da mesma classe, com o mesmo mecanismo de vasodilatação. Usá-los sem orientação médica, especialmente quando associados a outros estimulantes, pode representar riscos”, alerta Eline Lôbo.