A historiadora Mary del Priore achava que tinha várias coisas sob controle. Mas quando sentiu as primeiras dores nas juntas, uma dor persistente no joelho e viu sua mãe centenária morrer, percebeu que não tinha domínio algum sobre o tempo. Foi a partir dessa constatação que começou a escrever seu novo livro, “Uma História da Velhice no Brasil”.
Assim como o tempo, viu os idosos como algo que também poderia se dissipar social e culturalmente até quase desaparecer. Para entender esse fenômeno, em sua nova obra, Del Priore volta ao passado e investiga este período da vida desde o tempo colonial.
A velhice tem História e histórias, e essa investigação não começou agora. Em 1970, a filósofa e escritora Simone de Beauvoir lançou o clássico “A Velhice”, com a proposta de romper o silêncio em torno do envelhecimento pela primeira vez.
A francesa, na época com mais de 60 anos, afirmava que os velhos não tinham uma categoria própria: eram engolidos pela dos adultos. Sua escrita ainda ressoa, e o livro de Del Priore exemplifica isso.
“Para se ter uma noção, lá em 1549, quando Tomé de Souza chegou à Bahia com um grupo de mil pessoas, a expectativa de vida era de 21 anos. A ideia de envelhecer era muito atrelada à Bíblia. Então, para eles, envelhecer ou viver era tudo na vontade divina”, diz.
Se a religião tentava explicar o tempo, ela também trazia ambiguidade ao tratar da velhice. O jovem era belo e sagrado, enquanto a velhice representava o oposto.
“Não havia um relógio ou uma marcação clara do tempo. O que contava era a aparência e o fato de a pessoa poder trabalhar até o fim. Era isso que permitia o velho não ser identificado como velho. Enquanto ele fosse útil”, afirma.
“Se os velhos fossem fortes, capazes de se relacionar com a sua comunidade, fazer sua parte, ter uma obrigação, ele não era considerado velho. Essa coisa da idade começa a aparecer de forma mais sistemática a partir de 1970, na França. Aí os médicos começam a se embrulhar sobre doenças relacionadas com determinada idade.”
É também nesse período que surge outra novidade: a celebração do tempo.
“Você tem aí, digamos, uma nova forma de comemorar idade —aparece o aniversário, aparece um colar de ouro. As pessoas passam a marcar a passagem do tempo”, diz. “Mas eu diria que, basicamente, é o olhar da sociedade. É ela que vai definindo, modelando, qual é o nome da sua época.”
Com essa virada de chave, e o foco na forma em que as pessoas se apresentam à sociedade, ser velho acabou se tornando um incômodo. Num país como o Brasil, que a autora considera uma nação “jovem de cabeças brancas”, envelhecer se tornou um mal a ser combatido a todo custo.
“Mas, com os avanços da medicina, a população que antes só chegava aos 40 anos pode passar dos 100 com facilidade. Mas eles não querem mostrar isso. Até o adjetivo ‘velho’ é visto como pejorativo… Fiz questão de usar a palavra pelo livro todo.”
Del Priore destaca que a urbanização teve e ainda tem um impacto profundo na vida dos idosos. A pobreza, e a dependência, ainda é uma preocupação tanto para o governo quanto para a sociedade, diz. “Eu lembro, por exemplo, da Santa Casa de Iguape, no interior de São Paulo, que recebe muitos idosos abandonados pela própria família. Eles vêm de outros municípios e estão realmente sozinhos.”
Segundo ela, esse abandono costuma ocorrer quando os mais velhos deixam de ser economicamente úteis. “Eles não têm mais o que oferecer. Enquanto o idoso tem independência financeira, ele mantém poder dentro da família”, afirma. “Nesse ponto, a aposentadoria é central. Graças a ela, muitos ainda sustentam filhos e netos.”
No passado, diz del Priore, o prestígio do idoso vinha de outro lugar. Da história que contava, do conhecimento que carregava. “Ele podia até não ter dinheiro, mas tinha escuta, tinha importância. Era respeitado por isso.”
Hoje, aos 72 anos, a historiadora observa o tempo passar de sua chácara, ao lado da família. Não tem problema em envelhecer —para ela é, acima de tudo, uma prova de que ainda está viva.
“Não tem como lutar contra o envelhecimento. Tem gente que tenta, investe em tratamentos milagrosos para combater algo que é inevitável. Em vez de buscar saúde com bom senso, preferem esconder a idade, como se fosse um crime”, afirma.
Ela acredita que os baby boomers, geração nascida entre 1945 e 1964, serão protagonistas de uma nova maneira de lidar com a morte.
“Do ponto de vista da representação, parece que inventamos uma nova velhice. Uma velhice com rosto de plástico. Mas, no fundo, o que o velho precisa é morrer com dignidade, ter uma vida saudável e feliz. E, dentro da felicidade, posso garantir: o sentimento continua o mesmo —há muito, muito tempo.”