Página Inicial Saúde Venha comigo em um buraco de coelho – 19/06/2025 – Suzana Herculano-Houzel

Venha comigo em um buraco de coelho – 19/06/2025 – Suzana Herculano-Houzel

Publicado pela Redação

A Alice de Lewis Carroll caiu no buraco de um coelho e descobriu o País das Maravilhas. A expressão não existe em português, mas deveria: em inglês, entrar num buraco de coelho significa deixar de lado o que você estava fazendo para ir atrás do coelho de uma ideia que captura sua atenção e persegui-lo por um buraco onde não cabem muitas outras possibilidades ou assuntos além do coelho e você. No processo, você descobre e aprende um mundo de coisas novas que você nem suspeitava que existiam. E com sorte, você sai do outro lado do buraco do coelho não apenas com um mundo de novas informações desconexas e inúteis, como a Alice, mas com uma nova visão do mundo.

Vive acontecendo comigo. Ainda bem, porque faz parte do ofício de cientista: quando há boas condições de trabalho, o conhecimento avança porque cientistas têm os meios, a segurança da estabilidade profissional, e o tempo para notar coelhos que aparecem no caminho e deixar tudo de lado para persegui-los.

Coelhos são perguntas e são respostas, ou fatos sem explicação ou razão de ser. Cair num buraco de coelho em tempos de internet é maravilhoso não por causa do Google (que, para ser justa, ajuda um bocado, sim) ou dos malditos algoritmos generativos que só inventam besteira, mas por causa das bases de dados enormes e facilmente acessíveis. O Brasil, aliás, foi um dos pioneiros em dar aos seus pesquisadores acesso a publicações científicas do mundo todo, através da Plataforma Capes.

Às vezes o coelho exige ação imediata. Foi o caso do buraco em que me meti três anos atrás, cujo coelho era quantos neurônios os dinossauros tinham no cérebro. Dinossauros levavam fama de burros por causa do tamanho diminuto do seu cérebro comparado ao corpo —mas, se já tivessem cérebro de ave, talvez tivessem uma quantidade de neurônios muito mais digna de respeito.

Celeridade era de ordem, porque um ex-colaborador babaca havia acabado de publicar (sem mim, efetivamente enterrando nossa colaboração) a base de dados que incluía números de neurônios em mais de cem répteis e algumas dúzias de aves. O panaca, contudo, não sabia muito o que fazer com os dados, então publicou umas figuras chiques, repetindo o que todo mundo já dizia, e não notou o ouro que ele tinha em mãos de poder deduzir de que eram feitos os cérebros das espécies de nem-répteis-nem-aves que ficaram no passado. É, ser cientista não é garantia de ser gente bacana.

Me joguei de cabeça no buraco daquele coelho, peguei os dados agora em domínio público, e pelos três meses seguintes eu bebi, comi e respirei dinossauros —e então eu tive o prazer de apresentar meus resultados na cara do bocó do ex-colaborador, em um congresso aliás organizado pelo próprio. No ano seguinte saiu o artigo com minhas estimativas: Tyrannosaurus rex tinha tantos neurônios quanto um babuíno, o que muda de vez nossa imagem mental daquele tempo. Rá!

Outras vezes é importante saber deixar o coelho para depois: a gente documenta o coelho, tira foto dele, faz umas anotações, e volta ao assunto depois, quando o tempo permitir cair no buraco.

Agora, por exemplo, finalmente chegou a hora de mergulhar em um desses buracos guardados. Seguinte: a grande parte dos animais funciona na temperatura do seu ambiente, não gasta energia mudando isso, e vive perfeitamente bem. Nós mamíferos e as aves, não. Como, e que diferença isso faz? Você está convidado a entrar comigo do buraco do coelho chamado endotermia.


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