A combinação de atividades saudáveis, incluindo atividade física, dieta nutritiva, jogos de computador e socialização, pode melhorar o desempenho cognitivo em pessoas com risco de demência, de acordo com um novo estudo amplo.
A pesquisa, conduzida em cinco locais nos Estados Unidos ao longo de dois anos, é o maior ensaio randomizado a examinar se comportamentos saudáveis protegem a saúde do cérebro.
“Isso confirma que prestar atenção a coisas como atividade física, fatores de risco vascular e dieta são maneiras realmente importantes de manter a saúde do cérebro”, afirma Kristine Yaffe, especialista em envelhecimento cognitivo da Universidade da Califórnia, em São Francisco, que não estava envolvida no estudo.
Os resultados foram apresentados na segunda-feira na Conferência Internacional da Associação de Alzheimer, em Toronto, no Canadá, e publicados no periódico JAMA.
O estudo envolveu 2.111 pessoas, com idades entre 60 e 79 anos, de diversas origens raciais e étnicas. Nenhuma delas apresentava comprometimento cognitivo. Todas tinham estilos de vida sedentários, dietas inadequadas e dois outros fatores de risco para demência, como histórico familiar de declínio cognitivo e pressão alta.
Metade dos participantes seguiu um programa estruturado com dieta saudável, atividades socialmente engajadas e um regime semanal de oito sessões de exercícios e três sessões de treinamento cognitivo computadorizado. Foram, no total, 38 encontros com facilitadores e outros entrevistados.
Os outros participantes seguiram um programa autoguiado, receberam materiais e recursos educativos e foram regularmente incentivados a adotar comportamentos saudáveis e participaram de seis reuniões de equipe durante o estudo.
Os resultados cognitivos de ambos os grupos melhoraram consideravelmente, com o grupo de alta intensidade apresentando uma melhora um pouco maior do que o outro. “A intervenção estruturada teve um benefício adicional em relação à autoguiada”, afirma Laura Baker, professora de gerontologia, geriatria e clínica médica na Faculdade de Medicina da Universidade Wake Forest e principal pesquisadora do estudo.
Ainda assim, o levantamento deixou muitas perguntas sem resposta.
Especialista em Alzheimer da Universidade do Sul da Califórnia e membro da Comissão Lancet sobre prevenção da demência, Lon Schneider ficou impressionado com o fato de “ambos os grupos terem apresentado melhora significativa”. No entanto, ele observou que a diferença de desempenho entre os grupos de alta intensidade e os autoguiados foi “muito pequena”, levantando questões sobre os reais benefícios de um programa intensivo.
Também não ficou claro o quanto da melhora cognitiva refletiu um “efeito prático”, fenômeno comum em que os participantes aprendem a se sair melhor nas avaliações simplesmente por responder várias vezes, dizem Schneider e outros especialistas. “Isso não demonstra que qualquer uma das mudanças no estilo de vida, por si só, ou a combinação delas, seja responsável por esse nível de melhora”, afirma Schneider. “Ou que esteja necessariamente relacionada à neurodegeneração ou à doença de Alzheimer.”
Os resultados não podem ser comparados com a população em geral, pois o estudo não incluiu um grupo que não recebeu nenhuma intervenção. “Não acreditávamos que fosse ético” ter um “grupo que não receberia nada”, explica Heather M. Snyder, vice-presidente sênior de relações médicas e científicas da Associação de Alzheimer, que investiu US$ 50 milhões (cerca de R$ 278 mi) como principal financiadora do estudo.
Baker diz que, mesmo que a intervenção estruturada tenha sido apenas modestamente mais eficaz do que a autoguiada, “não acho que possamos dizer que uma pequena diferença para um grupo de risco não seja significativa”. Ela estima que, em comparação com o grupo autoguiado, a intervenção estruturada “retardou o relógio do envelhecimento cognitivo em um a dois anos”, o que pode “aumentar a resiliência contra o declínio cognitivo”.
Mas vários especialistas externos afirmam que era difícil estimar qualquer vantagem no mundo real. Eles também questionam se muitas pessoas conseguiriam, de forma realista, adotar um programa intensivo.
“Uma das grandes questões é quanto é preciso fazer e qual é a relação custo-benefício”, diz Kaarin Anstey, diretora do Ageing Futures Institute da Universidade de Nova Gales do Sul, na Austrália. “Se tivermos apenas intervenções muito intensivas que poucas pessoas podem pagar, isso não vai realmente resolver o problema maior do envelhecimento populacional e do desenvolvimento de muitas pessoas com comprometimento cognitivo.”
O estudo, chamado “US Pointer”, foi inspirado no primeiro grande ensaio clínico randomizado de mudanças de estilo de vida, chamado “Finger”, realizado na Finlândia há 12 anos. O grupo intensivo desse estudo apresentou melhora cognitiva 25% maior do que aqueles que receberam intervenção mínima.
O objetivo era “ver se isso pode funcionar nos Estados Unidos”, uma nação mais diversa com diferentes problemas de saúde e estilo de vida, afirma Baker.
Os participantes viviam na Carolina do Norte, Houston e Chicago. Mais de dois terços eram mulheres e 31% pertenciam a grupos raciais ou étnicos minoritários. A maioria tinha parentes de primeiro grau com perda de memória e 30% apresentavam a mutação do gene APOE4, que aumenta o risco de Alzheimer. Todos esses subgrupos apresentaram o mesmo grau de melhora cognitiva.
Parte dos entrevistados para o estudo participaram durante os dois anos completos, uma indicação de que elas estavam altamente motivadas, independentemente de terem recebido ou não supervisão intensiva.
Phyllis Jones, 66, se inscreveu em parte porque sua mãe e avó sofriam de demência vascular. Antes do estudo, ela diz que o estresse causado pela demissão de um cargo em engenharia de software e outras dificuldades no trabalho a levaram ao pronto-socorro com visão turva e coração acelerado. “Eu estava em péssimo estado”, completa. Segundo ela, participar da intervenção estruturada “a fez acordar”.
No início, apenas 10 minutos de aeróbico eram exaustivos, mas agora ela se exercita diariamente e perdeu 13 quilos. Impulsionada pelo apoio social proporcionado pelas reuniões com colegas, ela encontrou um novo emprego como testadora de software. Fez amizade com outra participante, Patty Kelly, 81. Elas se encorajaram mutuamente, e Kelly reformulou sua própria alimentação, limitando drasticamente doces, queijos e frituras.
Ambas as mulheres perceberam algum benefício cognitivo, embora suas pontuações não tenham sido divulgadas. Jones se sente mais capaz de planejar projetos domésticos e seguir cadeias de mensagens no trabalho. Kelly, que se aposentou de uma organização sem fins lucrativos que atendia famílias em situação de rua, diz que sua direção melhorou. “Eu não esbarro mais na lateral da garagem”, afirma.
Os jogos cerebrais de computador foram “a coisa mais difícil para nós aceitarmos”, diz Jones. Isso também se aplicava a outros participantes, segundo Baker. “É prático esperar que as pessoas façam isso dia após dia?”, completa Baker sobre o treinamento cerebral computadorizado. “Com base na nossa experiência, eu diria que não.” Mas ela disse que qualquer tipo de estímulo intelectual poderia ser útil.
Desde o fim do experimento no ano passado, Jones manteve muitas práticas, de acordo com ela, mas se viu regredindo com o açúcar, e seu colesterol subiu. “Acho que a estrutura é importante, a responsabilização”, diz.
Ainda assim, o estudo sugere que a automotivação faz toda a diferença.
Para ambos os grupos, a maior melhora cognitiva envolveu a função executiva —habilidades como planejamento e organização. A memória inicialmente melhorou em ambos os grupos, mas depois declinou, sem diferença significativa nas pontuações finais de memória dos grupos. A perda de memória é um sintoma central do Alzheimer, observa Yaffe, portanto, as melhorias cognitivas no estudo provavelmente estavam “menos relacionadas à doença de Alzheimer e mais relacionadas a alterações vasculares no cérebro”.
Os pesquisadores analisarão sangue, exames de imagem cerebrais e outros dados para verificar se as atividades estimularam alterações cerebrais, reduções nas proteínas relacionadas ao Alzheimer ou outros fatores biológicos, segundo Snyder. A Associação de Alzheimer investirá US$ 40 milhões (cerca de R$ 223 mi) para acompanhar os participantes e ajudar as comunidades a adotar programas adaptados localmente, afirma ela.
“Agora precisamos traduzir isso e transformar intervenções de saúde cerebral em resultados e soluções de saúde pública“, diz Snyder.