Página Inicial Saúde Viva a inteligência interna de cura – 03/08/2025 – Marcelo Leite

Viva a inteligência interna de cura – 03/08/2025 – Marcelo Leite

Publicado pela Redação

Tenho uma amante que, após meio século de cumplicidade, não para de me surpreender. A pesquisa científica tem essa capacidade inesgotável de cativar. Ela ajuda a revelar aspectos maravilhosos do mundo natural, como a inteligência interna de cura em corpos humanos e de outros animais.

A controversa faculdade inata de pessoas secretarem saúde veio à mente ao ler no periódico Nature Neuroscience o trabalho de Andrea Serino da Universidade de Lausanne (Suíça). O grupo reuniu várias técnicas para mostrar que contemplar faces aparentando infecção basta para ativar defesas do organismo.

Do ponto de vista evolutivo, faz sentido evitar contato com pessoas acometidas por doenças infecciosas, graças à aversão inata por sinais visíveis, como pústulas. Menos crível seria que visões aversivas disparassem a produção de células do sistema imune para predispor o corpo ao combate contra patógenos.


Serino formulou a hipótese de que respostas neurais antecipatórias põem o sistema imune de prontidão. Empregando óculos de realidade virtual, apresentaram-se a alguns voluntários imagens de faces com sinais de infecção, a várias distâncias aparentes, enquanto outros encaravam rostos saudáveis.

Aparelhos de eletroencefalografia e de ressonância magnética funcional, em paralelo, captavam quais áreas do cérebro dessas pessoas se ativavam. Um padrão detectado foi o acionamento da chamada rede de saliência, interconexão de regiões cerebrais encarregada de detectar e filtrar estímulos incomuns, incluindo ameaças.

Também se mostraram ativas áreas associadas com respostas imunológicas. A equipe colheu ainda sangue dos participantes para verificar se aumentava o nível de hormônios e biomarcadores indicativos de inflamação.

Este é um resumo muito pobre da pletora de variáveis e indicadores controlados no estudo, que tem 19 páginas. Os autores concluem que a infecção fictícia apresentada por realidade virtual foi capaz de levar a mente a exercer um efeito direto sobre o corpo, ativando defesas contra doenças.

“O sistema imune comportamental evoluiu para minimizar respostas de falsos-negativos e é sofisticadamente sensível a indícios que se assemelham superficialmente aos sintomas e sinais de infecções patogênicas”, escreveram.

Estamos todos aprisionados na dicotomia mente/corpo, como dois planos de realidade com pouca ou nenhuma interação causal mútua. É comum falar em males psicossomáticos, verdade, mas bem mais raro que o cérebro –afinal, um órgão como qualquer outro– possa agir no sentido oposto, produzindo saúde e não doença.

Na rejeição da agência reguladora norte-americana FDA para a psicoterapia assistida por MDMA (ecstasy), há um ano, terapeutas da empresa Lykos foram criticados por pressupor uma “inteligência interna de cura”. Foram acusados de promover um culto místico, em lugar de fazer ciência.

Talvez os defensores de terapias psicodélicas não estivessem tão distantes assim da realidade. Se o cérebro tem capacidade inata de combater ameaças físicas, por que não seria também inteligente o bastante para dissolver traumas com ajuda de compostos químicos? –ocorreu-me ao ler o lindo artigo de Serino &cia.


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